Por essa ninguém esperava. Semana passada, durante um evento da Fundação Cultural para discutir "o que é ser curitibano", a assistente social Salete Arruda pediu a palavra, soltou os cachorros na audiência, ergueu a blusa e ofereceu seus seios de presente para a cidade. Teve quem nem olhou, vai ver que com medo de ficar cego. Teve quem se levantou e rastejou pela escada, prevendo ser um alerta de terremoto. E quem fez gracinha para todas as moças que pediram a palavra depois dela. "Quer falar? Vai ter de mostrar os peitos".Salete não chega a ser uma profissional dos protestos sem roupa. Mas está longe de ser uma noviça. A estreia "pra valer" foi há coisa de dois anos, quando se amarrou a uma árvore ameaçada da Rua Saldanha Marinho onde mora e teve a intuição de que precisava algo mais para se fazer entender. Virou notícia. "Tá vendo aquela árvore ali?" aponta. "Salvei com meus peitos", diverte-se a mulher de 55 anos e peças originais.
Catarinense de São Joaquim e criada como boia-fria na minúscula Salto do Lontra, no Sudoeste do estado, Salete achava que envelheceria a exemplo da mãe, cantando as canções do Roberto e criando uma carreira de filhos. Mas um fato mudou sua opinião. Em 1973, durante uma excursão ao litoral, foi flagrada de biquíni por um fotógrafo da Gazeta do Povo e se tornou a "guria da capa". Pela primeira vez ela se achou tão importante quanto os outros. O retrato, claro, é sua moedinha número um. "Entendi ali que eu podia ser uma Leila Diniz."
Não poupou esforços. Sua vida renderia uma nova versão de "Tigresa", do Caetano Veloso. Só lhe faltou trabalhar no Hair. Nos quase 40 anos que se seguiram à foto no jornal, nossa "dona de divinas tetas" se fez uma colegial do Estadual do Paraná e gazeteira do Colégio 19 de Dezembro. Formou-se em Assistência Social, empregou-se na Cohab, mas deu um tempo para cursar teatro com Dulcina de Moraes em Brasília e se tornar atriz. Concursada, viveu cinco anos sem salário. Bela, ganhou apelido de a "Bruxa do Bigorrilho". Para espairecer, estudou Sexologia em São Paulo e levou Boal e Brecht para as vilas Xapinhal e o Pirineus, na Zona Sul de Curitiba. Ocupada demais, nunca pôde aceitar convites para posar nua nem para dançar no Mário Vendramel.
Num intervalo entre coisa e outra, peitou 23 países da Europa a bordo de uma mochila. Fez o Caminho de Santiago, escreveu um livro e ao voltar do mundo leu a mão de Dilma Rousseff numa livraria, profetizando que ela seria presidente. Para não enlouquecer, deu de pesquisar sexo tântrico, de subir o morro carioca do Cantagalo para falar de valores humanos, de declamar poesia com a turma de Ipanema bairro que semanas atrás também viu seus peitos. Mas era carnaval, afinal.
Ah Salete anda mal da labirintite, acudam. Teimosa, não há Cristo que a impeça de andar como uma gata pelo telhado de sua casa. Precisa de ar: está para começar o "festival de teatro". Por esses dias, ela e uma dezena de Saletes de todas as idades e manequins vão deixar as mamas ao vento e fazer uma performance surpresa na Rua XV. O protesto "Curitiba Nua" será contra a ditadura da beleza a "burka do bisturi" que extingue barrigas, inflama os lábios e entope o planeta de silicone. Uma tortura.
Na sequência, a paranaense que já se candidatou ao BBB e sentou no sofá do Jô Soares, estreia o monólogo Maria Madalena nunca foi puta, de sua autoria. Marmanjos, desistam. É só para mulheres. Enquanto explica a peça, me pergunto como o fusível de Salete não queima. Só vendo o quanto ela fala. "De vez em quando eu me calo e medito", avisa. Pausa. Pensando bem, se lhe fugirem as palavras, os seios falarão. É para quem pode.
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