As informações que aqui se seguem são imprecisas e controversas. Serão narradas em forma de síntese do que declararam algumas "testemunhas oculares da história", como se dizia nos tempos do Repórter Esso. Dizem respeito ao apedrejamento da sucursal do jornal Última Hora em Curitiba, nos idos de março de 1964, dias antes do golpe militar. Aos fatos.
No calor da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um grupo de (talvez) 20 secundaristas do Colégio Santa Maria decidiu somar suas vozes ao coro dos descontentes. Temiam o comunismo. Fizeram o que fazem os guris contrariados saíram às ruas, putos. A manifestação tinha endereço certo: o escritório regional do Última Hora, o único periódico no país a defender as Reformas de Base do presidente João Goulart, o Jango. No mais, o UH era notório por acoitar jornalistas que liam Marx no café da manhã, tsc, tsc.
A sucursal funcionava na Praça Osório com a Rua Voluntários da Pátria numa das lojas que ladeiam o Edifício Asa. Era local distinto, porém acanhado. Tinha mezanino, escada em caracol e mesinhas enfileiradas nas quais 15 repórteres sentavam para massacrar as teclas de Remingtons e Olivettis, e não desossar criancinhas, como alguns podiam jurar. O texto do UH, pura provocação. "Chacoalhou a província", lembra Francisco Camargo, o Pancho, um dos escribas consultados. Os outros Milton Ivan Heller, Luiz Geraldo Mazza, Cícero Cattani.
O que eles contam: na frente da redação havia um prédio em obras. Foi o que bastou para que aquela tarde de março entrasse para os anais da nossa história. Não faltavam sobras de cimento e outras caliças pedindo para serem atiradas contra as vidraças do UH. Teriam sido lançadas sem dó por mãozinhas cabeludas.
Nesse quesito, há controvérsias entre as fontes. Na escala de 1 a 10, diz-se que 1) foi uma quebradeira; 2) umas pedrinhas, uma bobagem; 3) jogou-se mesmo foi bosta de cavalo ou de vaca, na melhor das hipóteses. O reportariado ficou refém, entregue aos maços de Mistura Fina Filtro, até que a ordem fosse restabelecida. Que nada: houve omissão policial? (música de suspense, maestro)
Numa das versões, o coronel Ítalo Conti agiu rápido como National Kid. Cunhado do político Aníbal Khury, cujo irmão, Michel, dirigiu o jornal, tinha motivos a rodo para passar uma carraspana nos meninos e mandá-los engraxar sapatos. Na outra a mais emocionante , o quebra-quebra não mereceu socorro. Questionado, Conti recebeu a turma da UH, na calada da noite (!). Pediu que os editores comparecessem à chefatura, acompanhados de um advogado. No melhor do estilo "só tem tu", levaram Maurício Fruet, repórter de esporte.
De acordo com depoimento do jornalista Cícero Cattani, pode-se suspeitar que a polícia sabia de antanho da inocente passeata dos engomados e fez dela o estopim da bomba. Dias depois, Cattani entrevistou Jango e lhe contou do apedrejamento. O presidente franziu o cenho. Algo saíra do controle: o governador Ney Braga lhe parecia simpático. E o Última Hora era simpático a Ney Braga, como parte de um acordo de cavalheiros com o publisher Samuel Wainer, dono do UH, que viera à cidade meses antes para o beija-mão.
Jango caiu em 1.º de abril de 1964. A sucursal curitibana do Última Hora baixou as portas em 13 de maio. Boa parte dos repórteres levou processo, por sabe-se lá o quê, ficando quatro anos nas malhas da Justiça uma tortura. Quando procuravam emprego e contavam ter trabalhado no UH, quase levavam pedrada de novo. Uma barbárie. O jornal só empregava bamba. Ponha na lista Walmor Marcelino, Sylvio Back, Aramis Millarch, Mussa José Assis... Celina Luz a mulher que se mandou depois do susto, entrevistou o De Gaulle e mandou um beijinho no ombro para todo mundo. Que delícia de troco (na foto, uma reunião da turma do UH, 20 anos depois)
A quem interessar, a edição local do Última Hora circulou por não mais de quatro anos, o bastante para que ofuscasse os jornais locais. Teria atingido 60 mil exemplares uma proeza até para os dias de hoje. Curitiba tinha não mais de 400 mil habitantes e podia ler o jornal que dividiu a imprensa em antes e depois. O UH fez jornalismo popular com a pena de escritores. Publicou de Nelson Rodrigues a Sérgio Porto, passando por Antônio Maria. Dá até vergonha lembrar.
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