| Foto: Foto: Bruno Covello – Arte: Felipe Lima
Frente do Pronto-Socorro das Panelas, no Pilarzinho. Prédio centenário
Wolmir Lopes na oficina: é preciso
Wolmir na oficina: um ofício raro
Especialista em panelas é também construtor, mas se dedica ao ofício todo final de tarde
Comerciante estima haver não mais do que cinco lojas especializadas em conserto de panelas na capital
Detalhe do conserto de uma tampa de panela de pressão
Local é procurado por gente de todos os bairros da cidade
Há casos em que o pronto-socorro dá como perdido: má limpeza das válvulas, marteladas na tampa feitas sem ciência e comida guardada estragam as panelas
Limpeza das válvulas é um dos segredos
Wolmir com Denize: não dá mais para arear panelas. Sobrava sempre para ela
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O comerciante Wolmir Lopes, 41 anos, acerta na mosca o que os fregueses vão lhe dizer assim que encostam a barriga no balcão: "O senhor sabe, né, panela velha é que faz comida boa". A canção sertaneja – sucesso de Moraezinho e Auri Silvestre na voz de Sérgio Reis e do Trio Parada Dura – não tem classe social, cor ou nível de escolaridade. É um clássico. E é perfeita para explicar por que aquelas pessoas estão ali, não raro carregando três sacolas de panelas em pé de misericórdia. Podiam comprar peças novas, a preços de ocasião, mas não. Eis o mistério.

Wolmir nunca pensou que ganharia a vida consertando panelas. Filho de um marceneiro, ainda guri descobriu o gosto pelas lides manuais. Tornou-se um "faz-tudo" castiço, incluindo erguer casas, hoje sua atividade paralela ao "Pronto-Socorro das Panelas", estabelecimento que fica bem na frente de um dos marcos de Curitiba, a Cruz do Pilarzinho.

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"O troço todo começou com um amigo...", conta. O cara acabara de sair de uma sociedade bem-sucedida, na qual, jurava, tinha descoberto a galinha dos ovos de ouro. Bastava um carro grande e sair por aí, recolhendo panelas avariadas. O custo era baixo, a demanda imensa, os lucros em cascata. Convidou-lhe para abrir um negócio parecido. Topou. Foi há oito anos.

Até então, o máximo que Wolmir sabia sobre o assunto se resumia a sair correndo se a panela de pressão explodisse, e a cantarolar o sucesso de Sérgio Reis ao ver uma coroa bem apanhada. Além do mais, chegara a uma categoria rara de construtor – o que tem de recusar serviço, tamanha a procura. Tinha mais o que fazer.

Mas o destino é manhoso. Aconteceu que o sócio partiu para outra, não sem antes ensinar o camarada a "ouvir o que as panelas dizem", ofício a que Wolmir se dedica, todos os dias, mesmo que tenha carregado sacos de cimento. Segue um ritual. Na primeira parte, é como se fosse um médico. Na segunda, um estivador. Prende um cano na válvula da panela da pressão e assopra, bem devagar, procurando com a ponta dos dedos onde é que o ar vaza na tampa. Depois, dá-lhe muque para martelar, verdadeiro panelaço, até ter certeza da cura.

Sim, as panelas de pressão são o grosso dos pedidos de socorro na "portinha" do Wolmir. Formam pilhas reluzentes no minúsculo estabelecimento, anexo a um comércio centenário do Pilarzinho, ainda a salvo do olho gordo das incorporadoras.

O comerciante e sua mulher, Denize, chegam a receber 12 pedidos de consertos por dia. Além da prestação de serviços, dão uma catequese sobre como levar uma panela a sobreviver a tudo e a todos. Até há pouco tempo, o cliente recebia seu produto areado, inclusive, mas a mulher cortou o agrado, por motivos óbvios: sobrava sempre para ela.

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Depois de atender aproximados 20 mil clientes desde a inauguração, o casal se tornou um daqueles casos de especialidade rara. São capazes de discorrer sobre as virtudes do alumínio, o design de uma panela Marmicoc ou as vantagens de uma Eterna Nigro – nas devidas proporções, tão boas quanto os carrões do Chiquinho Scarpa. Perguntem ao Wolmir de que ano é uma velha Panex ou uma Rochedo – ele sabe.

Para surpresa de ambos, além de técnica, a lida com as panelas é sentimental. Difícil quem chegue ao pronto-socorro e não faça um boletim histórico-afetivo das suas peças. Essa foi presente de casamento. Aquela pertenceu à bisavó. Aquela outra assistiu aos anos felizes da infância dos filhos. Cada frigideira, cada peça de um jogo, é memorial de ovos fritados e de arrozes feitos.

De fato – difícil não olhar para uma panela de pressão sem lembrar de seu apito, qual um vagão de trem, avisando que o almoço está quase pronto. Essas memórias arrancam uivos no estômago e lágrimas nos olhos. É o que explica tanta gente singrar a cidade para chegar até a loja do Wolmir. Sua clientela não se resume aos Pollack, Gibur e Gasparin do Pilarzinho, mas a gente de tudo o que é canto.

O proprietário garante que teve cliente que enfrentou a fúria do detector de metais dos aeroportos para fazer chegar até ali uma panela categoria "joia de família". Não é de espantar. Desde o início do século 20 – quando a produção industrial vulgarizou os objetos –, eram favas contadas que alguns deles se safariam de virar entulho. Embora iguais a todos os outros, tinham significado – e quem é que vive sem um?

Só assim para justificar os olhos esperançosos de quem chega. E os cuidados que Wolmir e Denize precisam ter quando só lhe resta dizer: "Vizinho, sinto muito, a panela está condenada".

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A vida é sonho e panela de pressão.

Pronto-Socorro das Panelas