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 | Foto: Antonio Costa / Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Antonio Costa / Arte: Felipe Lima

Anda faltando espaço no sobradinho do eletrotécnico Marcos Eriberto dos Santos, 38 anos, 1,90 metro, 130 quilos majoritariamente distribuídos ao redor da cintura. A culpa do aperto do­­méstico não é da barriga de frade do proprietário, mas da democracia vileira, cujos exemplos, se observados, poderiam arrastar multidões. Atente.

O primeiro piso da casa está apinhado de aparelhos avariados que ele conserta em sua eletrônica de quintal, a Ômega. No segundo andar tem de caber ele, mais Marinalva, as filhas Núbia, 14, Lara, 6, e o alvíssimo cachorro Floquinho, para quem não há zona proibida.

Sobra aquele quartinho perto da porta, sob medida para o despejo das tralhas. Pois esqueça: ali funciona a subprefeitura da Vila das Torres, bairro onde Marcão – como é chamado o líder da as­­so­­ciação dos moradores – vive des­­de os tempos em que pesava 4,5 quilos, media 50 centímetros e ain­­da não falava mais que a He­­loísa Helena e o Gilberto Gil juntos.

O petit palais près-de-la-porte tem 10 metros quadrados, uma mesa e duas bandeiras abertas na parede – a de Curitiba e a do Paraná. No que sobra do cubículo cabe o Marcão e a vila inteira, desde que não empurre. Entra um morador por vez, respeitando a fila que se forma na Travessa Ângelo Ferro.

A eleição do Marcão para o cargo mais cobiçado da vila foi uma surpresa política em meio a esses obscuros tempos de reprise eleitoral. Há um ano, ganhou 343 votos e derrotou três candida­­tos com uma plataforma incomum ao paladar das classes populares: a Agenda 21, assunto que embanana até decanos da ONU.

Embora bem mais fortinho do que a candidata do PV, Marcão se tornou uma espécie de Marina Silva da Vila das Torres. Não co­­nhece a floresta, mas cresceu ven­­do o Rio Belém subir e descer, sempre recheado de colchões velhos e pneus furados atirados desde a nascente, no bairro Ca­­choeira.

Achava injusto: sempre soube que a fama da reciclagem em Curitiba se devia, em boa parte, ao trabalho de seus vizinhos carrinheiros. Pô, e era bem ali que o lixo vinha fazer sua pororoca! Para protestar, deu de ir aos en­­contros de lideranças – no ar­­mazém do Zé Cordeiro –, para defender que a vila poderia sair do noticiário policial e debutar na página de meio ambiente.

No começo, Marcos não passava de um rapazote falastrão. Chamava a atenção por ter estudado, mas precisou ralar para me­­­­recer um lugar entre os 8,5 mil moradores da antiga Vila Pin­­to, favela nascida na década de 1950 e penalizada pelo maior dos seus crimes: ficava perto demais do Centro para ser tolerada.

Só de raiva, a bitola do esgoto ali é menor. As relações com a PM são assunto de polícia. Cal­­çamento, nem pensar. De vez em quando o povaréu sobe e fecha a Avenida das Torres em protesto, mas anda sem pachorra para o escarcéu.

Foi para essa gente que Marcão sugeriu táticas tão simples quanto desocupar um quartinho da casa. Num dia, chama as costureiras e espalha pela ci­­dade mais de 5 mil sacolas ecológicas. Na esteira do "sacolaço", jun­­ta a criançada para discutir a salvação do planeta. Num sábado vadio, ensina a fazer aquecedores de água com garrafa pet e caixinha de leite.

A última é que no Dia das Mães chamou a Cleonice, a do mercadinho, para fazer um bolo de 200 quilos. A tarefa exigiu da mulherada assar 40 fornadas e servir 500 pessoas debaixo de chuva. Festa na rua é elixir contra a violência – e ponto. Não se fala noutra coisa por lá. Mas rola uma mágoa, né. "Se acontecesse um tiroteio, vocês da imprensa tinham vindo, não tinham?" Res­­pondo que a culpa é da notícia, essa malvada. Desconverso per­­guntando se o bolo estava bom. E me despeço das glórias daquele pequeno país.

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