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José Carlos Fernandes

Roberson e os adoradores de gatos

 | Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima)

Ninguém mediu com régua, mas arrisca que Roberson Maurício Caldeira Nunes, 54 anos, seja uma das figuras mais conhecidas da cidade. Haverá quem duvide, mas sem sucesso. Desafio. Tímido confesso, nerd assumido, humorista involuntário, colecionador obstinado, RMCN se enquadra na categoria "celebridade invisível", a mais civilizada de todas, diga-se de passagem.

Para saber de seu ibope, basta perguntar: "Sabe o Roberson, aquele da...?" A popularidade de que desfruta é tamanha que ultrapassa os bastidores da Fundação Cultural de Curitiba, onde trabalha desde 1991. Ali conquista parte de seu milhão de amigos: abastece de informações uma média de 50 visitantes por mês – vários deles estrangeiros – que pesquisam o acervo de 500 mil fotos da capital, todas sob responsabilidade do nosso herói. "Ontem mesmo atendi um da Coreia. Mês passado, um da Islândia", conta.

O nome de RMCN, enfim, não tem fronteiras, a começar pela municipalidade, onde impera. Parte da fama se deve à sua coleção particular de fotos, filmes, livros, selos, gibis e quetais. O acervo soma perto de 50 mil itens, uma baba. A outra parte vem das sociedades nas quais circula – a dos discretos filatelistas, a dos exóticos seguidores da série Star Trek, a dos tensos leitores de Sherlock Holmes, a dos aficionados por cartões-postais, a dos cultos falantes do esperanto – para citar algumas. Até de latim manja. Canta um trecho de Dominus dixit ad me – resultado de seu estágio num coral gregoriano. Bonito.

De todos os grupos aos quais Roberson está ligado, com folga, o mais exótico é o dos adoradores de gatos. Entregou-se a essa paixão desde o primeiro felino, ainda na infância. Adulto, chegou a se corresponder com gatófilos da Romênia, da Bulgária, da Suíça, da Itália, até se render às facilidades das redes sociais. OK – tem saudades de trocar cartas com as senhoras Doerfler e Näsholm, para citar duas de suas missivistas que pareciam figurantes de um filme de Capra.

Em paralelo a tantos afazeres, cuida da criação algo liberal de sua amada Pantera. Ela tem 12 anos, é preta, SRD, arisca e solta na vida – uma Simone de Beauvoir dos telhados do Jardim das Américas: tem licença para dormir fora de casa, entregue à vadiagem, se assim lhe agradar. RMCN faz a coisa certa, acredita. Até hoje, teve 15 gatos, em cujo convívio desenvolveu saberes ailurófilos incontestes. Carlitos parecia ter um bigode de Chaplin. Chorão amava ser fotografado. Duquesa, Chanel, Berinjela...

As descrições de Roberson são tão inesperadas quanto as da artista plástica francesa Sophie Calle – célebre por, numa contenda entre o gato e um marido, preferir o gato. Ele sabe ser engraçado, mas também, digamos, didático. Ensina que tem quem não se dê bem com gatos porque espera que sejam cachorros. Tsc, tsc. "Não ponho roupinha", avisa. Elegantes, inteligentes, independentes, os bichanos não abanam o rabo nem se submetem aos donos, barrigão para cima, chantagistas emocionais. De modo que nem todos têm maturidade para conviver com gatos. "Bento XVI tem um...", provoca, sobre um dos confrades ilustres.

O ingresso de Roberson no seleto clube gatófilo se deu pelos trâmites da leitura. Quando guri, devorava gibis. No meio da pilha, certa vez, veio uma revista Seleções do Reader’s Digest, na qual leu uma reportagem sobre o esperanto – a língua inventada por Zamenhof, no século 19. São desses paradoxos da vida. Embora pagasse para não abrir a boca, desejou naquele dia aprender o idioma com o qual falaria com o mundo inteiro. Chegou lá. "Só mais tarde descobri que a Seleções era republicana...", desculpa-se.

Aos 12, fez carteirinha na Biblioteca Pública – tornou-se leitor de fato, inclusive dos livros de esperanto. Aos 18, dominava a língua e ostentava outra credencial, a de membro da associação do esperantista Gert Drucker. Uma babel. Ali, uns se comunicavam com estrangeiros sobre religião, outros sobre alimentação ou arquitetura. Escolheu ser parte do seleto "Rondo Kato", sobre gatos. Assim permanece, talvez como o membro mais aplicado: 10% de sua imensa coleção é sobre felinos. Só os postais com retratos de gatunos valem o show.

Ah! Não o tomem por homem de um tema só. "Também coleciono material sobre os Beatles", avisa. Como se sabe, John Lennon amava Yoko, mas também os... Puro acaso.

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