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 | Foto: Pedro Serápio / Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Foto: Pedro Serápio / Ilustração: Felipe Lima

Quando Rosemar Casa­­grande Faust, a Branca, avisou Deus e o mundo que estava de mudança para capital, um mundaréu de aflitos lhe soprou no ouvido: "O povo de Curitiba, cê sabe, né..." Deus, sábio, calou-se em sua ca­­tedral. E Branca nem deu pelota. Apurada com tanta roupa para dobrar, repetiu foi seu mantra – "gente é tudo igual em tudo que é canto." S’imbora.

Mal chegou ao baita prédio em que se instalou, na Praça do Japão, já puxou conversa – hum, no elevador, aquele lugar em que, di­­zem as más línguas, curitibanos da gema não distribuem simpatia nem se a bordo estiver "a sobrenatural" Isabeli Fontana, mendigando um reles "oi, tudo bem?"

Pois alguém – vai ver um fo­­rasteiro – não só disse "bom dia" à recém-chegada como a ajudou a descer as malas no 15.º andar, es­­paço onde aninhou o marido Gláu­­cio, os filhos Ricardo, 20, e Rodrigo, 12. Casa arrumada, só lhe faltava um plá com a vizinhança – o que tratou de aviar em 13 de junho, às vésperas do flagelo suíno.

Passou na floricultura, comprou 40 vasos de flores e escreveu no computador uma mensagem para aqueles com os quais agora divide um dos metros quadrados mais caros de CWB. Com esse gesto, sem saber, exorcizou o texto "Curitiba, a fria", escrito nos idos de 60 pelo pernambucano Fernando Pessoa Ferreira, depois de sacudir o pó das chinelas e tomar o rumo Norte, para nunca mais voltar.

Diz a carta:

"Caros, somos os novos moradores do apartamento 1501. Que­­remos nos apresentar e ma­­ni­­festar nossa satisfação em fazer parte deste condomínio. Embora a vida moderna nos permita pouco tempo para convivência e novas amizades, seremos vizinhos e dividiremos es­­pa­­ços comuns. Esperamos ter uma ótima relação com todos.Contem conosco!"

Pois seu Fernando em pessoa precisava saber dessa. O chão quase tremeu nas ribanceiras do Batel. Teve quem interfonasse, comovido. Quem enleasse pão de casa e bombons. O síndico de olhos vermelhos. Outros, no elevador, manhã bem cedo, nocautearam a timidez, nossa marca de nascença: "Você é a Branca do 1501? Bem-vinda a nossa cidade."

Só faltou a orquestra do Max Steiner, no hall, tocando o tema de E o vento levou... Imagino a cena: a Sete de Setembro pararia. O povo se abraçaria na frente do Colégio Santa Terezinha – tipo "O Beijo de Lamourette", nos idos da Revolução Francesa. Seríamos matéria do Fantástico e admirados por algo mais do que a canaleta do Expresso. Dia 13 de junho se converteria em nosso Branca’s Day. Que tal?

Rosemar, a Branca, é natural da minúscula Marmeleiro, "a passarela do Sudoeste", de 13 mil habitantes. Fez carreira no Banco do Brasil, o que a obrigou a circular pelo interior, ano em Cho­­pinzi­­nho, ano em Pato Bran­­co. "Em tudo que é canto", repetiu o mesmo ritual. Flores e cartas ao chegar. Ao partir, lenços brancos do adeus.

Em Cascavel, o condomínio foi tão caloroso que a cidade de­­via ser rebatizada de Pintassil­­go. Em Campo Mourão, emoção sem par. Como tem deixado muita gente amiga pelos 6 mil quilômetros de rodovias do estado, faz horas extras em época de Natal. Chega a noite e dá-lhe mandar bolachas caseiras para os seus.

Segundo consta, Branca só não chama a população à praça para dançar cirandas por ossos do ofício: ela é superintendente regional do Banco do Brasil e tem sob sua custódia 500 funcionários, divididos em 37 agências da região metropolitana e outras mais. Seu expediente é cumprido dia em Mandirituba, dia em Tijucas do Sul. Acha ótimo.

E se por acaso os vizinhos estiverem meio reservados, mal não faz. Debruça-se na janela do apê e conversa com o irmão, que mo­­ra no prédio ao lado. Ali cria sua Trans-Marmeleiro – um lugar onde Curitiba é quente demais.

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