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Foto: Hedeson Alves/ Gazeta do Povo. Arte: Felipe Lima |
Foto: Hedeson Alves/ Gazeta do Povo. Arte: Felipe Lima| Foto:

Durante 30 anos, Tere­­­sinha de Jesus Andrade repetiu o mesmo ritual: uma vez por mês, apressava serviço da cozinha, trancava seu bangalô nas barrancas do Rio Barigui – "bem naquele canto onde dá muito chuchu" – e vinha faceira à Rua Pedro Ivo, no Centro, pagar seu carnê do Baú da Fe­­­licidade. Um belo dia – ueba! Faturou R$ 50 mil. "Baú, baú, da felicidade..."

A moradora da Vila Santos Andrade – uma vetusta ocupação irregular nas barbas da Campina do Siqueira – foi recebida com festa, como se fosse o Du­­du da Loteca. Pudera: Tere­­sinha tinha 14 filhos e desde os 8 anos de idade, quando deixou pobrezinha e sem estudos a zona rural de Rio Branco do Sul, não sabia o que era um teto para chamar de seu. O reclame de jornal – com a foto da vencedora, toda de branco, olhar confiante – ensinava: "Faça como ela. Compre a cartela da sorte."

Teresinha fez com o prêmio o que se esperava de uma boa mãe brasileira: organizou uma fila com seus, deu a bênção a cada um, seguido de um maço de dinheiro. Com o que sobrou, foi atrás de uma casa com quartos de sobra. Não queria nem no Portão nem na Santa Quitéria, mas às margens da paisagem de sua vida, por ali mesmo, nas bandas do Cotolengo, onde passa o Rio Barigui.

Mudou-se para não muito longe do chuchuzeiro dos dias tristes e sentiu-se ali, assim, uma emergente do Ecoville. A casa de madeira é imensa, tem janela com venezianas. O terreno é largo o bastante para criar uma centena de galinhas e galos, para acomodar geladeiras, fogões e sofás conseguidos na coleta de lixo. Além do próprio lixo, que tirando esconder as roseiras, paga as contas da semana. Conseguiu imaginar?

Pois esqueça. "Acuda, acuda, acuda". Um dia Teresinha notou que o rio estava cada dia mais perto do muro. Noutro, que o muro se foi com o rio. Espera a qualquer hora que a casa do Baú da Felicidade vire a curva, levando com ela as galinhas e as geladeiras. A cada chuvarada, ai! Da janela da sala vê a paisagem virando água.

O pior é que nem o Sílvio Santos pode ajudá-la – Te­­­­resinha ficou sabendo que ele anda meio sem dinheiro, o pobre. Não quer incomodar. Vai por si. Pensa se desfazer das galinhas que ciscam no quintal. Matuta como vai colocar tanta coisa na casinha da Cohab para onde vai se mudar. Já se despede das paredes emboloradas e sem mata-juntas. A história da sortuda do Baú está prestes a seguir o eito do rio. Deveriam batizar aquela curva de Teresinha de Jesus. E lhe fazer uma cantiga.

O primeiro cavalheiro dessa Teresinha se chamava Waldemar, puxava barro e lhe chegou quando ela tinha 16 anos. Foi casamento forçado, seguido de uma leva de filhos, muito chuchu no prato e coisa e tal. "Morreu", declara sobre o falecido. O segundo se chamava Juvenal, mais velho que ela e duro de aturar. "Morreu também", desconversa. O terceiro era Antônio, dez anos mais novo, carrinheiro dos bons, "meio nervoso". Foi a quem Teresinha deu a mão.

O sucesso de seu Baú da Felicidade doméstico é fácil de alcançar. Nem precisa carnê. Com Antônio, é ela quem manda nos sopapos. Religião: segue a Deus É Amor, mas se preciso, vai nas outras também. A casa está sempre tomada de filhos e netos. Daí, a panela do tamanho de uma pia. Ah, que não lhe peçam muitos conselhos. Prefere é rir de qualquer bobagem.

No dia em que falamos, partiu-se tentando contar nos dedos o número de netos. "Tem o Negão, o Neguinho..." A neta Alessandra encurta a conta: "38, vó, 38". "Tudo isso?" Não é boa com números, bem sabe. "Baú, baú, da felicidade." Falando nisso, vive com R$ 600 por mês. E faz uma fezinha vez em quando, pois da sorte e dos rios, nunca se sabe.

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