Peço perdão pela obviedade da frase, mas a política no Brasil vai mal. Não apenas por causa dos políticos, dos governos, dos partidos ou do sistema eleitoral. Esse disco já está arranhado desde aquele dia em que um português com sede de aventuras achou que seria uma boa ideia pegar uma caravela para dar uma olhada no outro lado do Atlântico. O problema, hoje, é que a tradicional apatia política do brasileiro, que já era ruim, virou algo ainda pior: uma ignorância absoluta travestida de politização, que reduziu o debate político na sociedade a uma briga de torcedores organizados.
Veja o que aconteceu com o ex-ministro Guido Mantega, por exemplo. Estava visitando um amigo recém-infartado em um hospital quando começou a ser insultado por outros visitantes, que pediam para ele “ir para Cuba” (breve parênteses: se alguém me pedir para ir a Cuba, sugiro que mande junto as passagens, umas férias em Varadero viriam bem a calhar) ou “ir para o SUS” – como se o SUS fosse um lugar específico, diga-se de passagem.
O hospital é um daqueles lugares que colocam as pessoas em pé de igualdade, pelo menos sob o aspecto da dor. Quem está visitando um doente carrega consigo a apreensão, o medo de perder uma pessoa querida. Mais do que qualquer outro lugar público, exige que as pessoas tenham um mínimo de respeito e de empatia pelo sofrimento alheio. Agora, chegamos ao ponto de ter de explicar para os revoltados de plantão as regras mais ululantes da civilidade.
A pobreza da política brasileira chegou a um ponto tão baixo que militantes deixaram de reconhecer quem pensa diferente como ser humano
Esse radicalismo, entretanto, não é monopólio de quem critica o governo federal. No mesmo dia, militantes do PT e anti-PT saíram na mão nas ruas do Rio. Os petistas promoviam um ato que, em si, beirava ao absurdo. Uma “defesa da Petrobras” na qual os “ataques” são às investigações sobre os roubos descarados aos cofres da empresa.
Um grupo de pessoas pedia o impeachment da presidente Dilma Rousseff – outra proposta que beira o absurdo, o impeachment de alguém que foi eleito pela maioria dos brasileiros há menos de seis meses sem qualquer justificativa legal minimamente sólida. No fim, os dois grupos acabaram partindo para a agressão física.
O problema é que o debate político no país deixou de ser – se é que algum dia foi – a discussão de ideias conflitantes sobre o Estado e a sociedade. O cerne da democracia é justamente reconhecer que as pessoas podem e devem pensar de forma diferente – e, a partir disso, estabelecer o diálogo. Pautada em informações distorcidas e mantras vazios, a discussão da política no Brasil vai no sentido exatamente oposto, a caminho do autoritarismo.
A pobreza da política brasileira chegou a um ponto tão baixo que militantes deixaram de reconhecer quem pensa diferente como ser humano. Tornou-se o inimigo, o petralha que quer roubar nosso suado dinheirinho, o tucanalha que quer vender nosso país para os gringos, alguém a ser eliminado. Uma noção de mundo muito parecida com a dos torcedores que invadiram o Couto Pereira em 2009, ou dos que promoveram aquela carnificina em Joinville em 2013.
Falando em futebol, neste mesmo contexto histórico, Mário Celso Petraglia e Rogério Barcellar, presidentes do Atlético e do Coxa, iniciaram um movimento curioso de aproximação. Deram uma entrevista conjunta, trocaram elogios e afagos. Faltou só o Petraglia oferecer o apartamento em Caiobá para o Alex passar um fim de semana com a família.
Até os netinhos do Petraglia sabem que há interesses políticos e econômicos nessa aproximação – por exemplo, a eleição para a Federação Paranaense de Futebol. E, claro, dois dirigentes se dando bem não significa o fim automático da violência entre torcedores. Mesmo assim, foi um gesto bonito, um reconhecimento do adversário como ser humano. Um bom exemplo para as duas torcidas.
Agora, fica a dúvida: será que estamos caminhando para uma distopia na qual petistas e tucanos vandalizam terminais de ônibus enquanto os dirigentes de futebol têm de clamar publicamente pelo bom senso?
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