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Fora do ônibus é o escuro da Mata Atlântica. Nenhuma estrela na serra, mas um luar mínimo, que nos permite enxergar a silhueta fugidia dos dinossauros à beira da BR-376, à porta das vendas. De dia, são esculturas irreais como anões de jardim; à noite, ganham poderes. Minha filha esperou quilômetros para vê-los e agora já pode dormir. Chegamos a Garuva, é grande o congestionamento, e a luz dos automóveis apagou a do céu.

Tento me apagar também, mas ouço a conversa de duas mulheres perto de nós. O irmão de uma delas está com câncer, sem esperanças, e a família organizou um churrasco para celebrar sua força. Era para ser um evento legal, mas um cunhado bebeu demais, esturricou a carne, não aceitou bem as críticas. Houve discussões e verdades foram ditas, uma pena isso ter acontecido.

Inesperadamente a estrada se abre, e reabro os olhos. Já estamos em Coroados, começou o pinga-pinga. No Brejatuba, me comove o longo enfileiramento de gente diante de suas casas, as cadeiras de praia na calçada. Todos querem ver o movimento, e o trânsito é seu cinema de ação.

Corremos para o mar, minha filha estreará sua prancha. Ela pega meia hora de jacarés, uma alegre eternidade, antes da volta da chuva

Em quase todo grupo há um violão. Quase todo violeiro curte um sertanejo. Em cada esquina há uma carne assando, muros cheios de latinhas. Meia-noite e as crianças ainda não foram dormir, é verão: os pequenos ganham horas a mais de consciência e o direito a certa selvageria, podem comer lixo e varar a noite entre parentes bêbados e seminus, o clã ao redor de seu velho baralho, todos sonhando com a glória de uma canastra real.

O ônibus entra na cidade e cruza Guaratuba saudado pelos veranistas, é sempre assim. As moças indo ao Centro a pé, rodear a praça de braços dados, separando-se somente para lambiscar o sorvete de casquinha, paquerando os caras e as barracas de biju. Os meninos alcoolizados respirando através de narguilés, buscando sexo, briga ou as duas coisas ao mesmo tempo, todos de boné apesar da luz moribunda destes postes. Debaixo de uma lâmpada, vejo uma mulher num minivestido de maxipaetês. Parece um peixe que se verticalizou e, de repente, descobriu ter nascido para os bailes caiçaras.

Penso em acordar minha filha e mostrar a ela a mulher-peixe, mas não dá, eu a chacoalho, ela se enrosca no meu braço, eu insisto, acorda, estamos chegando. E só quando descemos do ônibus é que me dou conta do chuvisco. Talvez a gente traga as crianças a Guaratuba só para submetê-las a estes tolos exercícios de resignação. Está sempre chovendo, não adianta espernear, o verão acabará antes das chuvas.

Na rodoviária, não há táxis. É o início da madrugada, minha filha dorme abraçada à minha perna. Um carro chega e o angolano à nossa frente, o primeiro da fila de passageiros exasperados, nos cede sua vez, vai, amigo, tu estás com a miúda adormecida.

Vou, obrigado. A chuva engrossa, será que amanhã dá praia? Sim, às sete horas o gavião que me serve de despertador anuncia o sol no balneário. Corremos para o mar, minha filha estreará sua prancha. Ela pega meia hora de jacarés, uma alegre eternidade, antes da volta da chuva. Mas somos pessoas de sorte, vimos o sol, e ele é nossa canastra de mil pontos.

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