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Luís Henrique Pellanda

Caçador de coincidências

 | Gilberto Yamamoto
(Foto: Gilberto Yamamoto)

Verissimo saiu de férias e deixou um recado: não adianta trocar a fechadura, ele voltará para casa. É certo que ninguém pretende barrá-lo. Fui contratado como caseiro, e realmente não me cai mal este uniforme escuro e sóbrio de guardião dos bens alheios. Dizem que tenho certa credibilidade; por isso, meu trabalho aqui será o de acender e apagar as luzes de vez em quando, vocês sabem. Criar uma ilusão de segurança. Não se preocupem, tomo conta. Podem largar.

Não, não me apresentarei formalmente, mas sinto que nunca é demais confessar uma ou duas coisas a meu respeito. Sou uma espécie de caçador de coincidências. Alto lá: essa metáfora, violenta demais, talvez não seja a mais adequada. Na verdade, melhor não escrever que caço coincidências, mas, sim, que as cortejo. Com isso, ganho pontos entre os mais sensíveis. E há coincidências de vários tipos. Existem as tímidas e as duronas, que demoram a se entregar, feito certas moças de Curitiba — aquelas que, segundo José Cândido de Carvalho, seriam medalhistas de ouro no esporte nada olímpico de meter "bolsada em focinho de atrevido". Sim, sim, há um prazer subjacente a essa luta, e cada nariz inflamado acaba promovido a troféu, quem é que vai negar? Mas, ainda bem, existem coincidências mais facinhas, que fazem o estilo sem-vergonha, ideais para os dias de pressa e preguiça. Pulam em nosso colo e se deixam acariciar sem exigir tanto suor em troca. E não julguem o contrário: das facinhas, podemos até gostar mais. Afinal, somos todos tão cheios de defeitos, não?

Chamado às pressas para o posto de caseiro, tive a sorte de uma dessas safadas me visitar entre os lençóis, numa noite de calor, implorando por uma ou duas laudas de atenção. Sou fraco e, de pronto, cedi às suas súplicas; a ela prometi este espaço nobre e alguns minutos com vocês, aqui, sob os olhos de tantos desconhecidos (coincidências dessa natureza são mimadas, promíscuas, exibicionistas). Bem, é hora de pagar a promessa. Com o dinheiro dos outros.

Ultimamente, tenho sido estimulado a relembrar minhas primeiras leituras. O que me levou ao mundo dos livros, ainda na infância? Pergunta comum. Numa fase pré-letrada, respondo que foram as enciclopédias coloridas com que meus pais me presentearam nos anos 70. Mas reconheço: alfabetizado, sobrevoei sem grandes paixões a perigosa cordilheira da literatura infantil para, sem escalas, pousar na pista de Verissimo. Nem sei refazer o percurso. Tinha nove ou dez anos quando li Ed Mort. Dez ou onze quando descobri O Analista de Bagé. E por aí segui bailando, empolgado. Num ritmo que, aos tropeços, levou-me longe. Aonde? Ao palco, por exemplo.

Querem confissão mais comovente? No colégio, aos 12, ou nem isso, adaptei, dirigi e atuei numa fracassada montagem de Pôquer Interminável, clássica trilogia de Verissimo. Interpretei o Jogador 1, e nunca me esqueço da intensa dramaticidade de uma de minhas falas. Vivendo um pai de família desviado, o baralho eternamente nas mãos, eu encarava meu filho choroso — macacão, botina, bonezinho — e, ao ver frustrada alguma de minhas muitas malandragens, me resignava: "Diz pra sua mãe que o cachorrão falhou".

Bem, aqui estou, quase três décadas mais velho, exposto a novas falhas e a fracassos retumbantes, num palco inédito, guardando o lugar de Verissimo, a vida se repetindo como coincidência e sem-vergonhice. Por hoje me despeço, quepe de guardião na cabeça, bicicleta enferrujada entre as pernas. Apitarei nas próximas três quintas. Se eu der tiros, será para cima. Agora apago a luz. Semana que vem, a acendo de novo.

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