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De onde vêm tantos esgrimistas de esquina? Ah, esses malabaristas de sinaleiro, fantasmáticos. Antes lidavam com fogo, agora fazem voar três facões sobre a cabeça. Ao se tocarem, as lâminas soam como gralhas de pesadelo, arapongas ariscas. Perdão, é meu ouvido de menino, jamais desativado. O grito do metal me transporta a velhas batalhas campais. Cruzo a rua com medo, sou um homem desarmado, e é tanta coisa a perder. Vai que um facão foge de sua órbita e vem gravitar sobre minha vida?

Não me sinto à vontade, mas a ciranda aérea dos facões me chapa. Observo o giro das armas no ar e fico pensando no que aquilo pode me sugerir. Das facas, curtas, já se disse que são a representação de certa impulsividade primitiva, típica dos traidores; já as espadas, longas, sempre expostas com orgulho, nos remeteriam à nobreza dos justos enfrentamentos. Mas, e o meio-termo? O facão é uma incógnita. O que me diz um facão alado?

O facão é uma incógnita. O que me diz um facão alado?

Não podendo responder, mudo de assunto. Volto às espadas e às facas. Ou melhor, às espadas não, nunca empunhei uma. Falarei só de facas, pois de algum modo somos íntimos. Difícil explicar como. Já estive sob a mira de revólveres, mas nunca puxaram uma faca especialmente para mim. Puxar uma faca é também revelá-la e, sem querer, revelar-se, um gesto que exige de quem o toma uma jactância demencial, uma vocação cirúrgica para a vilania. Quando alguém puxa uma faca, puxa com ela o próprio caráter, e a lâmina vem à luz junto com a alma de seu portador.

Sim, a primeira faca que vi fora de um ambiente doméstico ou profissional, distante de uma pia, uma mesa ou um açougue, minha primeira faca de matar gente, digamos assim, trazia na ponta, pendurada, uma alma.

Eu cursava o jardim de infância numa escola da Kennedy e, naquele dia, voltava para casa de carro, com meu pai. Na República Argentina, a caminho do Capão Raso, nos deparamos com um ciclista bêbado, ziguezagueando diante dos automóveis. Os motoristas passavam por ele devagar, irritados, buzinando, tirando finas. Quando chegou a vez de meu pai ultrapassá-lo, o cara apagou e caiu na calçada. Sua queda foi quase uma rendição do corpo a uma ordem superior de descanso.

Só que, ao atingir o chão, o ciclista despertou enfurecido. Algo nele julgou ter sido atropelado. Olhei para trás e o vi pedalando rápido, desequilibrado, na tentativa de emparelhar conosco. Quando paramos no sinal, surgiu à minha janela, resfolegante, o rosto de uma redondeza rubra, cabelos e bigodes ruivos, o olhar azul procurando um culpado através de mim, um chofer inconcebível, mau, que aprendera a dirigir somente para um dia derrubá-lo.

Entre os dentes, trazia a faca e a alma, e tentava falar com elas na boca, os lábios se comprimindo ao redor de ambas. Sorte estarem cegas. Não compreendemos o que disse, apenas aceleramos e o deixamos ali, confuso e impotente. Voltou a pedalar, forçosamente serenado, ao mesmo tempo em que buscava guardar a faca na bolsa de onde a tirara.

Sua alma é que talvez tenha perdido a carona. Vai que ficou largada no cruzamento, debaixo do sinaleiro? Numa dessas ainda está lá. Lançando facões para o alto.

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