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Faz alguns anos, um homem morreu ao meu lado numa academia de musculação. Era mais forte e mais alto que eu e, na época, tinha a mesma idade que tenho hoje. Lembro dele se alongando, já no fim do treino, a quatro passos de mim. Numa bicicleta ergométrica, de costas para o homem, sem querer eu ouvia sua conversa com uma das professoras. Alguém o havia chamado para uma entrevista de emprego. Ele estava de bom humor, confiante. E de repente desabou.

Não o vi cair no chão emborrachado. Apenas senti o tremor de sua queda. Demorei três pedaladas para entender por que aquele homem enorme estava deitado ali, tão de mau jeito, entre duas bicicletas. Quando parei de pedalar, os professores já se lançavam sobre ele, tentando reanimá-lo.

Não, não quero falar sobre como o homem morreu, ou de quê. Descrever aqui os aspectos técnicos da morte de alguém me parece errado. É mais ou menos como descrever o banho de uma criança com intenções sensuais. Não é possível, nem aceitável.

Há, na receita da morte, uma mistura rançosa de inocência e intimidade. Ela podia ser doce, mas não é, azedou. Toda pessoa, ao morrer, morre pela primeira vez; todo moribundo é um calouro do esvaecimento. Velhos ou moços, ao morrermos, estaremos sempre igualados em espanto e inexperiência. E, no caso particular daquele homem, pude ver com clareza que, dentro dele, ou dentro do que ele fora, algo ainda se admirava com aquilo tudo: o avanço da inconsciência, o trator na escuridão – então é assim que ele ronca, é assim que vai ser?

Todo moribundo é um calouro do esvaecimento

Naquele dia, uma enfermeira, ou médica, corria numa das esteiras. Foi ela quem dirigiu, com destreza e algum amor, toda a ação de salvamento. A seu comando, três homens musculosos se revezaram, até a exaustão, na tarefa de socorrer o homem que morria. Respiração boca a boca, compressão torácica, desfibriladores, pensamento positivo, nada adiantava. Os outros, impotentes, arredamos os aparelhos, abrindo espaço entre eles, na intenção de facilitar a entrada dos paramédicos. Na verdade, não tínhamos muito o que fazer além de sentarmos por lá, espalhados, mãos à cabeça, torcendo pela ressurreição de um desconhecido que nem sabíamos se era ou não uma boa pessoa.

Quase uma hora depois, nos avisaram: não tinha mais volta, a equipe desistiria. O melhor era que fôssemos todos para casa, liberando o local para que os profissionais recolhessem nosso ex-colega.

Derrotados, obedecemos. Somente um dos alunos bateu o pé, não quis sair. Durante toda aquela luta grupal contra a morte de um indivíduo, ele foi o único a continuar treinando. Diante do grande espelho, subia e descia seus halteres e suas barras, o olhar preso à imagem do próprio corpo suado e lindo, jovem apesar de seus 50 e tantos anos. A cinco metros do morto, cultuava-se.

Hoje, ao pensar neste episódio, é desse atleta vertical, e não do outro, horizontal, que lembro primeiro. Exercitando-se na presença do cadáver, ele parecia externar uma fantasia de morbidez: a de excluir-se da frágil humanidade que o cercava. Decerto não queria ser humano, e sim o reflexo do que julgava humano. Já estava morto, quem sabe?

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