Minha mãe criou três filhos, mas plantou centenas de árvores. Impossível contabilizá-las, florestas não são obras que se reconstruam de memória. Há décadas, por exemplo, debaixo de um longo varal de roupas, no quintal de casa, minha mãe cultivou cem mudas de araucária. Paciente, ia transplantando cada pé para o seu vaso, até que meu pai e meu avô pudessem levá-los ao Capão da Lagoa, um matagal tão remoto quanto desprotegido. A partir dali, era com a natureza.
Na semana seguinte, pena, meu pai já voltava com a notícia ruim: as jovens araucárias haviam sido devoradas por formigas. Apenas três sobreviveram à sanha das cortadeiras. Continuam lá até hoje, firmes e crescidas, embora acuadas pela expansão dos loteamentos, este mundo que se transforma numa imensa e insone cidade-dormitório.
Nada entendo de vegetais, mas aceito que tenham os seus motivos para desistir de nós
Minha mãe, no entanto, nunca foi de desanimar. Segue providenciando suas sementes, revirando a terra como quem mistura o concreto para a fundação de um edifício. Progresso, para ela, é o desenrolar dos brotos em direção ao sol, o aprofundamento das raízes de uma paineira. Só não vejo, nessas práticas de minha mãe, qualquer preocupação ambientalista. Suas plantas são extensões de seu amor pela vida simples e, consequentemente, de sua vasta sociabilidade.
Sei que, neste momento, em seu jardim, ela mantém 30 mudas de jabuticabeira já envasadas, prontas para a distribuição. Quando recebe amigos e parentes, ou mesmo um eletricista, um encanador, um pintor de paredes, minha mãe se põe alerta: caso capte certa vibração misteriosa entre determinada pessoa e uma dessas plantas, já saberá o que fazer: presenteará o visitante com uma jabuticabeira, ou melhor, com a promessa de uma colheita futura. Mas também pode ser que lhe dê um flamboyant ou um bálsamo. Tudo depende dos tais sinais, e quem sou eu para decodificá-los?
Às vezes, uma de minhas plantas, aqui neste árido terraço da Ébano Pereira, acusa algum cansaço de viver. Nada entendo de vegetais, mas aceito que tenham os seus motivos para desistir de nós. Acontece de murcharem, talvez desgostosos de nossa rotina. É quando recorro à minha mãe, que os socorre em seu hospital botânico particular. Sei que os pacientes logo voltarão ao lar, revigorados, e perdoarão minhas negligências. Em consideração a ela, claro.
Há dois meses vi aportar em sua casa um lindo espécime de abricó-de-macaco, trazido do Rio por uma de suas muitas sobrinhas. A árvore, ainda pequena, suportou bem a entrada de nosso outono subtropical, e vai se fortalecendo depressa, parecendo desconsiderar o frio que nos ataca. Sei lá, mas existe algo no tratamento de minha mãe que, em parte, substitui o calor do verão, potencializa os efeitos da luz.
Lembro que, em 2003, voltei de uma viagem a Campos dos Goytacazes com um punhado de sementes de tamarindo na carteira. Vingaram. Está lá o tamarindeiro, com seus 12 anos bem vividos, no pomar de minha mãe. Já enfrentou invernos pavorosos e resistiu. É certo que deveria estar com uns 20 metros de altura, e que mal chega aos meus ombros. Tampouco deu frutos, é incapaz de se reproduzir, mas é robusto. Tomou gosto pela luta, e essa aspereza adquirida, que é quase a consciência de ser um ponto final, o ornamenta.
Numa tarde recente de sol, fui visitá-lo. Fazia um mês que havíamos plantado, à sua volta, num mutirão familiar, duas dezenas de árvores frutíferas. Mesmo infértil, o tamarindeirinho parecia satisfeito com as novas companhias. E, como um irmão nosso, adotivo, nos agradecia a seu modo, oferecendo uma sombra insuficiente, mas serena, quase oriental, à minha filha mais velha, exausta de tanto correr ao redor das mudas.
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