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Tenho pensado muito no vento. Isso começou às 4 da madrugada de 27 de agosto. Insone no sofá, eu lia um romance de Kenzaburo Oe. Nele, pai e filho enfrentavam um tufão, na península de Izu, quando um pinheiro caiu ao lado de sua cabana. A árvore poupou o teto que os protegia, mas sua queda desabrigou um corvo, velho conhecido do autor, e acabou perturbando a ambos, a ave e o homem.

Bem, já escrevi que parte do trabalho de um cronista consiste em cortejar coincidências, ou atraí-las para o cercado de sua literatura. O cronista, assim, seria um pobre pastor de acasos, indeciso entre o uso da lira ou da funda. Foi por isso que não me espantei ao constatar, segundos após ler sobre o tufão japonês, que uma tempestade real tentava invadir meu apartamento.

Pensar no vento, desconfio, é imitá-lo, passar pelas coisas e destelhá-las

Não era sonho nem ficção. O vendaval enfunava as portas de vidro do meu terraço como se fossem cortinas de tule, e eu buscava contê-las com o corpo e os braços abertos. Na hora, antevi tudo perdido. A chuva nas estantes, na mesa onde minha família se alimenta, no tapete onde brincam nossas filhas. Mas não: por sorte, as portas resistiram, e a tempestade serenou para morrer em paz e de repente, como desejam morrer tantos de nós.

De manhã, enquanto os telejornais tratavam as árvores caídas pela cidade como meros problemas de trânsito, fui checar as plantas no terraço. Encontrei três vasos quebrados, centenas de insetos voadores mortos e, incrível, um casal de papagaios escondido sobre o cilindro de lona do meu toldo.

Na verdade, eu disse casal, mas nem sei se ali havia macho e fêmea. Só sei que os bichos não iam bem, pareciam exaustos e doentes, a penugem falhando em vários pontos. Preocupados, preparamos para eles um prato com bananas e kiwis. Durante quase uma semana, porém, os papagaios nos esnobaram do alto de uma antena de tevê, encarando nossas frutas mais com nojo do que com fome.

Aliás, nem sei o que andavam comendo lá em cima, tão rápido se enturmavam com os urubus, meus vizinhos. Acho até que jejuavam de propósito, com algum objetivo secreto. Que emagreciam, era evidente. Um dos pássaros ainda gritava com uma ponta de vivacidade, numa língua áspera e selvagem, mas o outro só gemia, balbuciando palavras que me soavam como imprecações humanas.

Tentei compreendê-los, na esperança juvenil de que me guardassem uma mensagem, algo novo e superior, que eu pudesse dividir com vocês. Mas nada. Tudo que pude fazer foi fotografá-los num momento de carinho, os dois a cada dia mais íntimos apesar da miséria, bico com bico, num canto de calha. Pena que as fotos, com nuvens brancas ao fundo, tenham saído feias, péssimas.

Lembrei, inclusive, de um conto do esquecido Aníbal Machado. Era sobre um menino, o Zeca da Curva, que amava os ventos e dizia que, sem eles, o mundo perdia a graça, parecendo mais uma fotografia. Pode ser. Só acho que, dependendo do fotógrafo, até que podia ficar um mundo bem melhor.

De qualquer modo, esta crônica, assim como a saúde daqueles papagaios, já vai chegando ao fim. Meu dever seria encerrá-la com um achado especial, uma coincidência que me fizesse tanger a lira ou girar a funda das ideias, dando sentido à história dessas aves desorientadas, ou ao meu interesse besta pelo vento. Só que nada aconteceu além do que já contei.

Pensar no vento, desconfio, é imitá-lo, passar pelas coisas e destelhá-las, levar delas os cacos e nunca chegar a lugar algum. E, pensando bem, uma crônica também pode fazer como a ventania, nascer, cantar e morrer sem planos, largando em seu caminho dois papagaios marrentos e maltratados, que nada querem nos dizer. A um cronista, às vezes, só resta o vento para fotografar.

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