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Luís Henrique Pellanda

Grito de gavião

Pontual, meu vizinho gavião anuncia: são sete da manhã, acordem, é feriado de sol em Guaratuba. Não me aborreço com ele, pelo contrário, o gavião me reanima. Tem a voz que os cristais teriam, caso gritassem na hora dos brindes. Levanto, ponho a água no fogo e vou tomar uma ducha. No banho, ouço os primeiros carros de som do dia, o prédio cercado por candidatos. Vão e voltam da praia à pracinha, como fantasmas num labirinto eleitoral, gemebundos. É a época dos pleitos, paciência, temos duas opções: caminhar por um mundo assombrado por paspalhos, ou não caminhar, entregando a eles o petróleo de nossas ruas.

Contrariado, caminho. A cidade ainda está na cama, mas, a cada esquina, já me atropela a estridência de um automóvel. Chego à praia com uma dúzia de melodias na cabeça, instruções de voto em ritmo de baile. Tento, em vão, resgatar a nota única do gavião, tão limpa e eficaz, e até decido visitar as corujas-buraqueiras, vai que me saúdam com a pureza de um pio?

Na Praia do Cristo, uma surpresa: o mar avança, estentóreo, contra a cidade

Só encontro uma delas, muda, em seu poleiro na restinga. Ao redor da ave, dez garrafas vazias. Duas de vodca, sete de cerveja, um litro de energético. Uma fogueira recém-apagada, baganas com batom. E um tubo enrolado, espremidíssimo, de lubrificante íntimo. A coruja me encara como se sorrisse, entre a dó e o carinho, já acostumada ao amor bagunceiro dos humanos. Fantasio que queira me dizer algo, comentar que até amando fazemos arruaça, mas um carro de som surge e a afugenta. Lá vai ela, buraco abaixo, rumo à sabedoria.

Ando da Praia Central à Praia do Cristo. No trajeto, vejo o caminhão que traz cocos aos quiosques da orla. Ele ronca alto, chia, estaciona e morre por alguns minutos. Da carroceria, uma moça atira cocos a um colega no asfalto. O cara enche dois engradados e os arrasta até os quiosques. É um serviço tão silencioso e bonito que até sento para assisti-los.

A moça dos cocos está linda, produzida para um show. Usa minissaia azul, blusa de alça com estampa de onça, sandálias de gladiadora, as tiras de couro escalando suas pernas fortes. O cabelo preto, preso com perfeição, valoriza os brincos de penas verdes. A maquiagem é noturna, mas e daí? O movimento de seu corpo, ao erguer-se e abaixar-se para apanhar e lançar os cocos, lembra uma coreografia atlética, a dança de uma diva sobre o trio elétrico. Uma bailarina que prescinde de música, público e aplauso.

Na Praia do Cristo, uma surpresa: o mar avança, estentóreo, contra a cidade. Parte do chão está afundando, melhor evitá-la. Cuidadoso, me aproximo da borda do calçadão golpeado pelas ondas. Dois de nossos humildes coqueiros, que mal dão cocos, e onde jamais vi amarrarem rede alguma, já foram derrubados pelas águas. E agora estão ali, talvez como nós, só à espera da vazante, preparando-se para uma viagem imprevisível.

Outro carro de som aparece, mas não decifro o que diz sua música. Dela, só me chega a marcação primitiva do bumbo. O resto dos instrumentos, o nome e o número do candidato, seus feitos e desejos, tudo isso o mar, bravo, abafa. E é tão bom ouvir aquele tambor de ressonâncias tribais à beira esfarelada deste balneário. Até me devolve alguma esperança. Amanhã, o gavião gritará de novo.

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