Eles eram muitos e, à noite, infestavam o jardim da minha casa. Menino, eu puxava a cortina da sala e brincava de controlar o trânsito dos vaga-lumes lá fora, entre as acácias e os chorões. Fáceis de pegar, cacei vários deles para, depois, soltá-los no meu quarto. Aprisionados, demoravam a reagir, se faziam de mortos. Para uma criança curiosa, era um teste de paciência. Só um ou outro se acendia, de má vontade, num protesto contra aquele ambiente inóspito, alienígena. Como aceitar um mundo sem brisas?
Na vida, uma de minhas grandes crueldades foi justamente o massacre de um punhado de vaga-lumes. Eu ainda estava aprendendo a rabiscar meu nome quando resolvi, mentecapto, escrevê-lo numa laje áspera, em semana de lua nova, usando como tinta a luciferina dos insetos esmagados. Sorte serem apenas quatro letras. De qualquer modo, a coisa não funcionou, e me arrependi já na curva do U. Até hoje me envergonho do que fiz e procuro a quem me desculpar. Pena os vaga-lumes terem sumido.
Pontos de luz vivos e voadores, isso parece viável? Para minha filha, crer em vaga-lumes, sem jamais avistá-los, era um ato de fé
O nome da minha filha mais velha, que começa a ser alfabetizada neste ano, também tem só quatro letras. Mas ela, ainda bem, jamais pensou em assiná-lo com os restos luminosos de bichos mortos. Até há poucos dias, aliás, a menina nunca tinha visto um vaga-lume, e quase duvidava de mim quando eu dizia que eles existiam. Mais sensato imaginar que fossem criaturas ficcionais, personagens exóticos de livros infantis ou desenhos animados, enfeites cenográficos sem função dramática, tão irreais quanto quimeras, unicórnios e mantícoras. Pontos de luz vivos e voadores, isso parece viável?
Para minha filha, portanto, crer em vaga-lumes, sem jamais avistá-los, era um ato de fé. Foi assim até domingo passado, quando visitamos seus avós no Capão Raso e minha mãe nos surpreendeu, oferecendo à neta um pirilampo solitário, capturado num galho de rododendro. Preso num potinho de vidro, vedado com papel-filme e devidamente oxigenado, o inseto tentava nos enganar, como é de seu costume, mantendo-se imóvel e apagado, uma lasca de carvão com seis patas, na esperança de que o esquecêssemos para sempre em sua tumba transparente. Não nos convenceu. Planejamos levá-lo até o nosso apartamento, no Centro, e soltá-lo à noite, entre as plantas do terraço.
No caminho para casa, porém, algo aconteceu, conosco ou com o bicho. Um mistério menor, admito, mas merecedor de atenção. Minha filha segurava o potinho com ansiedade, no escuro do carro de minha irmã, que nos dava uma carona. Sei que esperava vê-lo acender-se a qualquer momento, comprovando o absurdo de sua própria existência. O que sobreveio, no entanto, foi o oposto disso.
Ao descermos do automóvel, notamos o vidro vazio, apesar de intacto. O papel-filme intocado e a menina jurando não haver mexido nele. Do vaga-lume, nem sinal. Evaporou feito um mágico, um artista das fugas, um insuspeitado ilusionista — ou, no caso, um “desilusionista”, alguém que, ao fazer seus truques, ironicamente decepciona uma criança.
Engolimos a derrota. O fugitivo estava certo, não tinha de provar nada a ninguém. Sua esperteza o fizera livre, e acabamos comemorando o enigma de seu sumiço. Na hora de dormir, pus em minha filha um pijama estampado de estrelas fosforescentes, apaguei a luz e, ao beijá-la, disse que ela parecia vestida de céu. Sonolenta, nem me ouviu — e quem disse que o céu tem ouvidos?
Antes de me deitar, ainda decidi ir ao terraço avaliar o movimento das nuvens ao redor de Curitiba, mas paralisei diante do imenso verde noturno. Milhões de vaga-lumes escreviam no ar, sobre a cidade adormecida, uma longa, impossível, infinita palavra de quatro letras.