Não entendo nada de motos, me desculpem. Só sei dizer que o homem desta história pilotava um modelo pequeno. O veículo, aliás, combinava com o dono miúdo. Era um motoqueiro sem dúvida magro e baixo, mas, fora isso, não tenho como dar mais detalhes de sua aparência. Impossível reconstruí-lo, zumbindo pela Saldanha Marinho, um inseto em trajes de couro, mil olhos de varejeira para um único visor espelhado.

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Jamais o vi sem o capacete, este, sim, um acessório admirável. Preto, dourado e vermelho, de inspiração gospel, imitava uma coroa de espinhos e trazia, nas laterais, o nome de Jesus estampado em capitulares de fogo.

A mulher desta história, por sua vez, era pedestre. A seu respeito eu poderia contar muito, mas para que expô-la? Basta dizer que frequentou aquela rua durante três semanas, sempre à tarde. Ficava ali, rente à parede da Federação Espírita, acocorada, de vestido curto e chinelos de dedo, dando oi aos transeuntes. Não exagerava na produção, no que agia com acerto, o rosto limpo e os cabelos presos, boas escolhas para quem trabalha sob o sol.

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Nela, o mais notável, para mim, era o fato de que sabia meu nome, embora eu não a conhecesse. Certa vez, eu vinha pela calçada oposta quando a mulher gritou "Luís, querido", me pedindo as horas. Disfarcei o susto, conferi o celular e gritei de volta, era uma e meia. Acenamos um para o outro, ela agradeceu e nos despedimos, reclamando do calor. Voltei para casa com a suspeita de que ela podia ser minha leitora, por que não?

Mas o caso é que falei de um homem e de uma mulher e, agora, para dar sentido a esta crônica, preciso uni-los. É o que pede a lógica do texto e da vida e, para o bem da narrativa, eu a transfiro para a esquina da Cabral com a Cruz Machado.

Foi onde os flagrei discutindo. Comerciavam qualquer coisa, ele, arrogante, montado na moto, e ela, derrotada, dando sinais de desânimo. De passagem, só pude ouvir, de sua conversa, uma frase: "Eu tenho o dinheiro, e você, a necessidade", argumentava o cara, como se batesse um martelo.

Coincidência ou não, depois disso ambos sumiram. Não me perguntem a que acordo chegaram, nunca mais os vi. Na semana seguinte, porém, reencontrei não o motoqueiro, mas o seu capacete, inconfundível.

Um rapazinho maluco tentava vendê-lo a dois sujeitos na porta de uma lanchonete. Só que o capacete era pequeno demais, reclamavam, muito apertado, não valia nada, ainda mais com o visor trincado, a manchinha de sangue. O rapazinho deu de ombros: "Dezão paga, e chega de choro".

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Do fim daquela transação, nada digo, sei lá no que deu. Nesta história, importa somente demarcar a zona de sombra que se criou entre as duas negociações que presenciei, um obscuro sumidouro de personagens. É o lar do dinheiro e da necessidade, esse casal que o autor uniu e ninguém pode separar.

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