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Semana passada, num táxi, presenciei um fenômeno aterrador de enamoramento. Estávamos, motorista e passageiro, no começo da Cruz Machado. Era o meio de uma tarde quente, dessas que acabam em temporal e engarrafamento. Quieto e corcunda, o homem ao volante suava muito, e sua careca brilhava feito uma pedra de rio. Ele parecia prestes a sofrer um enfarte, mas se recusava a ligar o ar-condicionado porque, fez questão de me contar, lutava contra uma virose. Aliás, essa foi sua única fala.

Estávamos, portanto, calados e alheios um ao outro, no cruzamento da Cruz Machado com a Cabral, o sinal vermelho diante de nós marcando a largada desta crônica. À nossa esquerda, emparelhado conosco, um automóvel reluzia, não me perguntem a marca, sou imune ao mercado das máquinas, vejo somente suas linhas e cores. Daquele carro, só sei que era amarelo e pequeno, e que quem o conduzia era uma morena bonita.

Tomada por uma alegria incomum, a moça acenava para nós. Assobiando com categoria, chamava o meu motorista. Ele moveu na direção dela a grande cabeça reptiliana, mas numa rotação vagarosa, como a de um quelônio de cartum. Satisfeita, ela sorriu. Primeiro soltou o cinto de segurança e descolou o vestido do peito. Depois, debruçando-se sobre o banco vazio ao seu lado, quis saber do taxista se ele poderia lhe dar uma informação. Ele disse que sim, como não, seguindo um protocolo de seca polidez, talvez registrando a beleza daquela forasteira, mas sem dúvida distante de qualquer intenção de pleiteá-la. Era um realista apático.

Duas quadras adiante, meu taxista já era outra pessoa. Dez anos mais jovem

A morena não se incomodou com aquela indiferença. Caprichando na voz aerada, cheia de vapores convidativos, piscou um olho e perguntou ao cara: “Como faço pra chegar, o mais rápido possível, ao coração do senhor?”.

E aí o sinal abriu e ela arrancou. Perplexo, o taxista demorou um segundo para largar. Suas vértebras se descomprimiram, a corcunda retrocedeu, e o vi crescer uns dois centímetros. O brilho de sua careca migrou para os olhos, os lábios, os dentes. Na nuca, seus cabelos escureceram de leve, de brancos ficaram cinzentos, e até se expandiram, com reflexos ruivos, rumo a um cocuruto devastado.

Duas quadras adiante, ele já era outra pessoa. Dez anos mais jovem. Alcançou a moça no sinal vermelho seguinte, na esquina com a Ermelino. Estacionou rente ao carro dela, provavelmente com uma resposta na ponta lúbrica da língua, mas, antes que pudesse emitir qualquer som, emudeceu. Porque a motorista daquele automóvel também já era outra.

Duas quadras bastaram para envelhecê-la uma década, ressecar sua pele e sua cabeleira, tatuar uma teia de rugas em sua face. Seu rosto, tão tranquilo, agora estava tenso, congestionado. Constrangida, a mulher se desculpou pelo gracejo. Ele fez cara de não estar entendendo, desculpas por quê? E ela, quase decepcionada: “Achei que o senhor fosse outra pessoa”.

Assim, o amor entre eles nasceu num sinal vermelho para morrer no outro. Acontece. Quanto a mim, tive sorte, escapei ileso. Única testemunha de uma paixão transitória e transformadora, que durou a infinidade de 200 metros.

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