No meio do calçadão, o carrinho de bebê. Dentro dele chora um menino, lindo e oriental. Oito ou nove meses, se tanto. Olho para os lados, nenhuma mulher que aparente ser sua mãe. Os comércios estão cheios e a criança, sozinha. Apressado, em hora de almoço, o povo nem liga para aquela solidão infantil. Que fazer? Estou ali há 30 segundos, o bebê nem toma conhecimento de mim, não me estende os braços, nada espera do homem inseguro à sua frente. Só grita e se contorce. Investigo a rua de novo, nem sinal de pai, irmão, babá. Mais um minuto e deu: me ponho de cócoras diante dele, decidido a buscar uma pista em suas roupas. É quando alguém me toca o ombro.
"Não esquenta, o neném tem dono."
E aponta para um austero avô chinês no caixa de uma lanchonete. De longe, o velho me vigia. Sou informado de que é ele quem cuida do neto, e que sempre o deixa assim, avulso, ao ar livre. Se para obrigá-lo a tomar sol ou fortalecer seu caráter, ninguém sabe, mas é coisa comum, posso seguir em paz.
Certo, vou embora. Só que aquele desamparo vai comigo. Ele me fascina, impossível abandonar o menino, e passo a visitá-los diariamente, o guri, em seu posto avançado sobre o petit-pavé, e o avô nas trincheiras, atrás de potes e mais potes de gelatina de mocotó e balas de banana.
Semanas depois, a criança já não chora. Observa o vaivém dos populares à sua volta. É sua única distração. Não tem um brinquedo, uma chupeta, um chocalho com que se divertir, apenas os olhos. E parece avaliar o mundo a partir de alguma sabedoria ancestral, uma fleuma milenar que protege seu coração contra os sustos. A moça, o camelô, a pomba, o pipoqueiro, tudo o menino registra em silêncio, com um leve desdém. Nem a garoa sobre a lona que às vezes cobre seu carrinho é capaz de incomodá-lo. Aproveita a chuva para dormir.
Cresce rápido, engorda com saúde. Aprende a sorrir diplomaticamente e evitar envolvimentos emocionais. Cumprimenta a todos sem comprometer-se, é oi e tchau. No máximo, pisca a fresta do olhar para as meninas que o adulam.
Um dia, meses mais tarde, encontro o carrinho no mesmo lugar, mas vazio. Faço cálculos e tento não me abalar: ele já tem um ano e pouco, na certa está andando por aí, ou então foi trocar a fralda, usar o penico, a vida segue. Mas não, otimismo meu. Não o vejo durante a semana toda. A verdade é que não há mais bebê. Somente o carrinho e o avô chinês lá no caixa, ainda vigiando aquela ausência.
A curiosidade me faz correr um risco desnecessário. Parei de fumar há anos, mas entro na lanchonete a fim de comprar um maço. Escolho uma marca qualquer. Dou ao velho uma nota de dez, ele a apanha sem uma palavra, me entrega os cigarros e começa a catar moedas. Tomo coragem:
"Como vai teu neto?"
Num primeiro momento, a pergunta o surpreende. E então o enfurece. Ele me encara, irritado, bufa e balança a cabeça. Fala mal o português, mas se esforça para responder, quer desabafar. Junto as sílabas que atira contra mim, a voz áspera, e capturo nelas uma ponta doída de sentido. Não, não está furioso comigo e, sim, com outra coisa, íntima, pessoal. É que o bebê foi embora, conta. A mãe dele, sua filha, mudou de cidade, foi viver longe demais, não entendi onde, talvez fora do Brasil, possivelmente na China. E pronto, é isso, aqui está o seu troco.
Ele se entristece, eu digo que lamento e caio fora, os cigarros inúteis no bolso. Paro ao lado do carrinho vazio, apanho o maço e descubro, nele, a foto de um recém-nascido prematuro. Uma lembrança do bebê chinês. Em casa, eu a guardo numa gaveta, o lacre intacto. Bom é poder optar entre rompê-lo ou não. Tudo o mais é prisão e saudade.