Ano novo, período de celebrar a vida, e eu começo 2016 lendo um livro sobre morte. Na verdade, sobre mais de 100 maneiras de como deveria morrer boa parte da humanidade: do fumante ao árbitro de futebol; do casal descolado que passa férias na Índia a quem exagera no perfume; do careca que usa peruca ao farmacêutico de jaleco; do surfista ao vendedor de roupas.
A morte no livro é apenas ironia – conceito inatingível para muitos, uma incapacidade retórica que não é exclusividade apenas dos que empunham uma AK-47 para exterminar todos os que ousam mencionar de alguma forma sua religião. Há também muitos vigilantes das “boas maneiras” ao nosso redor, pessoas que, antes mesmo de tentar ir ao dicionário em busca do significado de escárnio, engatilham seus rifles de moralidade a quem faz um comentário sério em tom zombeteiro.
A essa gente recomenda-se passar longe do Pequeno tratado da intolerância, que reúne crônicas de 2009 a 2014 do jornalista e cartunista francês Stéphane Charbonnier, o Charb, assassinado por terroristas ano passado em Paris, junto com boa parte da redação do jornal satírico Charlie Hebdo. Ao passar a ser ameaçado por extremistas islâmicos pela publicação de charges do profeta Maomé, Charb decidiu também proferir suas próprias sentenças de morte: escolheu a melhor forma de como deveriam ser apagados da face da Terra todas as pessoas irritantes à nossa volta. Jornalistas esportivos, por exemplo, deveriam ter a pele usada para costurar bolas de futebol. Os desesperados por pegar suas bagagens no aeroporto deveriam viajar com a própria mala no bagageiro do avião. Garçons machistas... bom, não vou contar todos, ou perde a graça.
Charb faz aquilo que todos nós já fizemos nos intervalos de trabalho, encontros familiares e, principalmente, conversas de bar: imaginar qual seria a melhor maneira de os chatos compensarem toda a irritação que nos causam. O livro é isso: um tratado sobre o que gostaríamos de fazer e, evidentemente, não faremos com os chatos, incluindo aí o próprio Estado, que muitas vezes se mete nas nossas vidas sem ter por quê. Ou seja, nada mais do que humor, algo que não deveria ser motivo para morrer – a não ser de forma irônica, como nos textos de Charb.
A única coisa que não tem a menor graça no livro de Charb são as sugestões de leitura que os sites das livrarias indicam a quem for comprar o Pequeno tratado da intolerância. Em um deles, sugere-se um livreto chamado Islamismo, que explica a religião muçulmana para leigos. Em outro, a sugestão é nada mais, nada menos do que o próprio Alcorão, o livro sagrado do Islã. Talvez quem trabalhe nessas livrarias on-line acredite que quem lê o Pequeno tratado da intolerância torne-se automaticamente alvo dos radicais muçulmanos e deva ter em casa uma obra que atenue a ação dos homens encapuzados que vão invadir sua casa. Se estivesse vivo, com certeza Charb escolheria uma boa morte para esses gerenciadores de sites.
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