Semana passada li pela primeira vez o conto A Vida Secreta de Walter Mitty, do escritor e cartunista americano James Thurber, que inspirou o filme de mesmo nome em 2013. O texto, publicado em 1939 na revista The New Yorker, é bem mais simples do que a produção de Hollywood, estrelada e dirigida por Ben Stiller.
Walter Mitty é um homem comum, introvertido, que vai ao centro da cidade onde vive de carro com a mulher. Enquanto a esposa fica no cabeleireiro, Mitty protagoniza as mais fantásticas histórias de dentro de sua própria mente ao executar atividades tão banais quanto comprar ração para o cachorro. Nesse curto período, o homem tímido vira comandante de um navio que atravessa o mar congelado, um cirurgião que salva a vida de um importante banqueiro, um réu acusado de assassinato e um piloto de avião na guerra.
Crianças tendem a levar um Walter Mitty dentro de si. Acreditam ser super-heróis, dançarinas, jogadores de futebol, astronautas, princesas ou qualquer coisa para onde sua imaginação as conduza
O personagem ganhou tanta força no imaginário americano que surgiu o termo “complexo de Walter Mitty” para os sonhadores de plantão. Chegou a inspirar Charles Schulz, o pai dos Peanuts. Quando Snoopy sobe no telhado de sua casinha para pilotar um avião da Primeira Guerra Mundial ou batuca sua máquina de escrever na criação de um best seller,está padecendo do tal complexo.
Crianças tendem a levar um Walter Mitty dentro de si. Acreditam ser super-heróis, dançarinas, jogadores de futebol, astronautas, princesas ou qualquer coisa para onde sua imaginação as conduza. Certa vez, o filho de uma amiga me deu um punhado de massinha de modelar. Eu peguei aquilo e, com a maior naturalidade, esmaguei na minha mão. O que o guri não havia me dito é que aquele punhado de massa distorcida, na realidade – ou melhor, na imaginação dele –, era um carrinho que ele havia passado um tempão modelando. Fiquei com cara de bocó diante do menino, que olhava a massinha com um bico deste tamanho.
Eu mesmo tive meu dia de Walter Mitty na infância. Quando tinha 7 anos, meu pai sucumbiu aos pedidos dos filhos e resolveu levar a meninada da rua para uma volta na quadra no porta-malas do carro. Tudo ia bem, até que o carro dobrou a esquina e entrou na outra rua. Naquele momento, meus ouvidos foram invadidos pela música Tom Sawyer, do Rush, tema de abertura da série Profissão Perigo, nos anos 80. Ali, naquele instante, não tive dúvida: eu era o próprio MacGyver, aquele que se safava dos enroscos com as soluções mais triviais. Com a bateria de Neil Peart pulsando no meu peito, me joguei do carro pensando que, como o MacGyver, seria fácil saltar, rolar e me levantar como se nada tivesse acontecido.
Não foi bem assim. Bati com o peito chapado no chão, ao ponto de quase não conseguir respirar, e ralei as mãos e o rosto, para desespero do meu pai. Quando um vizinho, lá de longe, gritou “Quer morrer, guri?!”, descobri não só que não era o MacGyver, como esse negócio de ficar imaginando ser o que você não é pode ser perigoso. Para não correr mais risco, evito ouvir Rush até hoje.
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