Da minha mesa de trabalho, vejo coisas nada convencionais. Me sento ao lado de uma enorme janela com vista para toda a Rua Lourenço Pinto. Há ainda a vista da Pedro Ivo, ligação entre os três principais terminais de ônibus do Centro de Curitiba: da Praça Rui Barbosa ao Guadalupe, passando pela Praça Carlos Gomes. Por essa formação em "T", pode-se dizer, passa boa parte da humanidade.

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São ambulantes dos mais variados produtos falsificados, bêbados em busca da dose redentora, homens e mulheres de espírito abduzido pelo crack, desempregados à beira do desespero, travestis que tentam manter a altivez diante de comentários inoportunos, pregadores que garantem o caminho da salvação, mães solteiras arrastando levas de crianças, chineses que deixaram a densa poluição de seu país para respirar o cheiro das gorduras que vendem nas pastelarias.

Há ainda as lojas de roupas de comerciantes sírio-libaneses e seus manequins de olhares tristes, imigrantes haitianos lânguidos e os catadores de papel com seus carrinhos tão altos que correriam o risco de entalar na Ponte Preta.

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No fim da tarde, começa a gritaria da moça da lanchonete em frente, desesperada por vender as últimas unidades de salgados da estufa. Antes, quando menos se espera, algum dos mais variados loucos urbanos que passam pelo trecho grita algo ininteligível. E seja dia ou seja noite, sempre há um motorista desorientado – ou mal-intencionado – guiando na contramão da Pedro Ivo. Nos dias em que São Pedro apronta das suas, brotam vendedores de guarda-chuvas "vai a dez" – de onde eles surgem?

Volta e meia, uma figurinha manjada oferece uma pulseira de ouro "legítimo" ou um celular de última geração, cuja procedência é melhor não perguntar. Maconha é fumada como cigarro: com a maior liberdade. Os orelhões eu nunca vejo ninguém usando. Mas sempre há algum sujeito inquieto neles, com uma sacola de papeizinhos a tiracolo, na batalha por um espaço na disputa dos anúncios de prostitutas nos telefones públicos. Difícil é o dia em que algum popular não se perde à procura da agência da Caixa Econômica. Geralmente, aposentados que vêm de longe para ajustar algum dado e receber seus benefícios.

Nos meus plantões da noite, o limpador da estação-tubo é o grande personagem. Por volta de uma e meia da madrugada, ele aparece com vassoura, mangueira e balde. No inverno, a solidão deste homem em seu ofício parece ainda mais dolorida: a água deve congelar não só suas mãos, mas também seus pensamentos.

O pipoqueiro é onipresente. Do quarto andar do prédio em que trabalho, o cheiro do bacon que vai na pipoca impede qualquer tentativa de esquecê-lo. O único dia em que o cheiro foi interrompido aconteceu quando o botijão de gás explodiu.

Há também os casaizinhos apaixonados se beijando na esquina. Sempre no começo da noite. E essa é a melhor parte da humanidade que passa sob a janela do meu trabalho. A única que traz algum tipo de esperança.

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