Em 1987, o jornalista Rodolfo Braceli encontrou uma forma prática de entrevistar o cartunista argentino Joaquín Lavado, o Quino. Como o pai da pequena rebelde Mafalda não é propriamente conhecido como um exemplo de homem extrovertido, Braceli sugeriu ao cartunista que passasse a desenhar as respostas para resolver a extrema timidez e o constante silêncio dele a cada interrogação. E, na pergunta sobre para onde o mundo caminhava, Quino desenhou um garoto dando um chute em uma bola que representava a Terra. Pena que a ilustração não foi publicada junto com a entrevista, que consta de introdução no livro 10 Anos de Mafalda, coletânea das tiras que Quino fez da pequena personagem entre 1964 e 1973.
As manifestações foram justas e legítimas. Pena que boa parte de quem foi às ruas em ambos os casos perdeu uma excelente oportunidade de ficar em casa
Se a pergunta fosse feita a Quino hoje, talvez o menino do desenho estivesse dando um chute ainda mais forte na Terra. Com radicais religiosos destruindo vidas e artes, o preconceito e o racismo virando rotina no noticiário, direitos individuais sendo cerceados em diversos países e outras mazelas que nos cercam, só mesmo dando uma bica em tudo. E, se fosse questionado como vai o Brasil atualmente, correria o risco de a bola chegar à estratosfera no desenho de Quino.
As manifestações contra a corrupção da última sexta-feira (13) e domingo (15), de públicos diferentes, foram justas e legítimas. Pena que boa parte de quem foi às ruas em ambos os casos perdeu uma excelente oportunidade de ficar em casa por não seguir o ritmo daquela velha batucada do Paulinho da Viola: “tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim”.
No protesto de sexta-feira, convocado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o público se manifestou em defesa da Petrobras. Só que muitos aproveitaram a oportunidade para defender a ideia estapafúrdia de que a culpa da crise, na realidade, é da imprensa golpista e gente mal-intencionada, que insistem em encontrar erros onde não existem.
O mesmo vale para a turma de domingo. O que era para ser um protesto histórico, por levar famílias às ruas e gente que, pela primeira vez, participava de uma manifestação popular, foi ofuscado pelo índice assustador de que boa parte desses manifestantes é a favor de intervenção militar. Segundo levantamento do Paraná Pesquisas publicados aqui na Gazeta, 45% dos manifestantes que estiveram no protesto de domingo em Curitiba eram a favor de a caneta ser substituída pela baioneta na administração do país.
Pessoas que, de ambos os lados, deveriam seguir o exemplo de Quino. Não o de botarem suas insatisfações no papel em forma de desenhos, mas o de ficarem quietas quando perguntadas sobre coisas sérias.