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Ismael e os professores

(Chico Marés substitui Marcos Xavier Vicente, que está em férias)

Não sei se muita gente se lembra da história do servente de pedreiro Ismael, do Uberaba. O fluxo de notícias ruins em tempos de Facebook é tão intenso que a gente se esquece de alguns fatos que, se não importantes do ponto de vista global, são ao menos paradigmáticos. Mas, para refrescar a memória, era um rapaz de 19 anos que foi torturado por quatro policiais no Uberaba. O crime: estar na rua, andando de bicicleta, indo encontrar os amigos do bairro em uma tarde de sábado.

As histórias de Ismael e dos 213 manifestantes feridos no Centro Cívico, por mais diferentes que sejam, têm ao menos um ponto em comum – além, claro, do algoz. Eles provavelmente estariam livres de muitos traumas físicos e psicológicos se não fosse nossa noção primitiva de que a polícia serve para punir os “bandidos”.

Quem identifica os “bandidos”? Essa distinção acaba ficando a critério de quem agride

Há uma comoção geral pelo fato de que as vítimas da quarta-feira negra no Centro Cívico eram, em sua maioria, professores. Por mais respeito que tenha por eles e por mais basilar que seja sua função na sociedade, acho uma visão distorcida dos fatos: o problema está na violência em si, e não na vítima. Digo isso porque esse discurso da violência contra professores, com destaque para o “contra professores”, legitimou o discurso de que “não eram professores”.

Uma das linhas mestras de defesa do governo nos dias que sucederam a barbárie era a de que não se tratava de professores. Eram petistas infiltrados, black blocs, anarquistas, sem-terra. É nítido que ninguém engoliu. Entretanto, a mentira chocou mais do que a admissão implícita de que ferir 213 pessoas pode ser aceitável, dependendo de quem elas sejam.

E essa noção de que o Estado pode – e deve – agir com violência diante de determinados tipos de cidadão, aqueles que não são “de bem”, é justamente o motivo pelo qual a polícia massacrou 213 professores e Ismael. A partir do momento em que são identificados como “bandidos”, a gente deixa bater. E a polícia bate. E muitas vezes mata.

E quem identifica os “bandidos”? Essa distinção acaba ficando a critério de quem agride. E, a partir do momento em que os manifestantes desrespeitaram uma ordem da polícia, derrubando uma grade móvel, viraram “bandidos”. A partir do momento em que Ismael foi confundido com um assaltante, virou “bandido”. Esses episódios mostram que, com um pouco de audácia ou azar, qualquer um de nós pode vir a ser o “bandido morto”.

É lógico que isso não exime Beto Richa, Fernando Francischini e todos os outros políticos responsáveis pelo ataque. O contexto apenas permitiu que o fato se consumasse. Mas a verdade é que, enquanto continuarmos a defender a violência da polícia, episódios como esse vão continuar acontecendo – não só no Paraná, mas em todo o Brasil.

E, aliás, a violência policial no Brasil continua a mesma desde a ditadura, mas a criminalidade só cresce. Sinal de que, no mínimo, é também uma política de segurança pública bem ineficiente.

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