Depois da avalanche de críticas ao ator Wagner Moura pelo sotaque – ou falta de – na interpretação do traficante colombiano Pablo Escobar na série Narcos, fui assistir à produção da Netflix. Vi só dois episódios e gostei, apesar de achar que o formato, com o agente Steve Murphy (o ator Boyd Holbrook) narrando em off as ações, ser o mesmo recurso do capitão Nascimento em Tropa de Elite, a dobradinha de sucesso anterior de Moura com o diretor José Padilha, que também assina Narcos. Mas, como não sou a pessoa mais indicada para falar de técnicas cinematográficas, segue o baile.
Dizem que o sotaque da Colômbia é o mais puro da língua espanhola, que os colombianos pronunciam as palavras o mais próximo possível de como elas são escritas. Para os ouvidos não treinados com a língua de Cervantes – ou, no caso, de García Márquez – e sua infinidade de sotaques, de fato, é mais fácil entender o acento dos nativos da Colômbia. Um sotaque tão simples que às vezes não parece espanhol mesmo para quem vive em outros países hispânicos.
Dizem que o sotaque da Colômbia é o mais puro da língua espanhola
Certa feita, eu estava conversando com um amigo brasileiro em um café de uma cidadezinha no interior da Espanha quando a senhora que nos atendia nos perguntou se erámos colombianos. Achei estranho, afinal, estávamos conversando em português. Perguntei a ela, aí sim, em espanhol, com o sotaque tosco argentino com o qual mal e mal aprendi a língua, por que ela acreditava que fôssemos da Colômbia. Ainda brinquei justamente com o personagem de Wagner Moura: “A senhora acha que tenho cara de Pablo Escobar?”
A senhora disse, então, que, na verdade, a forma de eu e meu amigo conversarmos, com as palavras um pouco “cantadas”, lembrava o jeito de os colombianos se expressarem. Só não fiquei orgulhoso do elogio pelo simples fato de que não estávamos falando espanhol. Mas foi engraçado.
Lembrei dessa história logo que vi Moura em ação em Narcos. De fato, ele não tem a fala cadenciada dos outros atores na série. Estranhei o espanhol dele logo na primeira cena em que aparece, quando policiais interceptam um contrabando de muambas que Escobar transportava. Lá pelas tantas no diálogo, ele diz a um dos policiais que uma das televisões que contrabandeava ficaria muy bacán en su ‘cuarto, sendo que quarto, em espanhol, é habitación. Mas impliquei mesmo com o tal do bacán. Pensei: “bacana não é gíria brasileira?”. Não é.
Bacán vem do lunfardo, o dialeto dos malandros de Buenos Aires do início do século passado, que transformou vários termos em gírias na Argentina. A regra do lunfardo basicamente era inverter as sílabas das palavras para que a polícia não compreendesse o que estava sendo dito. Tango, por exemplo, virava gotán, amigo virava gomía. Mas o lunfardo também se apropriava de expressões dos genoveses que emigraram para a capital argentina.
Baccan, do dialeto genovês, servia para indicar o dono da terra. O termo foi adaptado para o lunfardo como bacán com o sentido um pouco mais amplo: o chefe do pedaço. Exatamente o que Moura é em Narcos: bacana por interpretar o chefão do narcotráfico na Colômbia dos anos 80/90 e por estar fazendo um bom trabalho, independentemente do sotaque.
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