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Nesta semana fez 90 anos que a Primeira Guerra Mundial acabou. Em 11 de novembro de 1918, a Alemanha assinou o documento em que desistia da guerra. Como os europeus gostam de dizer, tudo terminou na décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês (azar do soldado canadense George Lawrence Price que foi morto por uma bala alemã às 10h58).

Houve celebrações na Europa para lembrar o dia do Armistício. Celebrações estranhas, porque o conflito está ao mesmo tempo muito presente nos nossos dias (suas conseqüências determinaram o futuro do nosso mundo pelo resto do século 20) e muito distante no tempo. A distância entre nós e a primeira guerra que se espalhou pelo planeta inteiro é encurtada pelas imagens de uns velhinhos com o peito coberto de medalhas, que aparecem quando se fala desse assunto. São pouquíssimos, é verdade. Na França, o último soldado que lutou na Grande Guerra morreu neste ano. Na Inglaterra restam quatro veteranos. São centenários, que compareceram às cerimônias em cadeiras de roda conduzidas por jovens soldados. Sobreviveram à velhice e a uma guerra que matou inacreditáveis 20 milhões de pessoas. Eram soldados-meninos quando foram enviados à frente de batalha — naquela época, até adolescentes eram convocados pelos exércitos europeus.

A sobrevivência desses veteranos torna aquela guerra muito mais real para nós. Um adolescente de 2008 que vê uma foto dos velhinhos tem a chance de conectar-se com a tragédia que aconteceu antes mesmo de seus avós nascerem. Quando os veteranos se forem, a Primeira Guerra Mundial entrará para a mesma categoria de conflitos históricos que encaramos como curiosidades, como a Guerra das Rosas, na Inglaterra do século 15. Aquele grupinho de cabeças-brancas coloca a guerra de 1914-1918 na categoria "memória" — nós não a vivemos, mas os sobreviventes nos lembram que ela foi real. Nos nossos arquivos mentais, a outra categoria, a "história", é muito maltratada; tendemos a dar pouca importância a tudo que se encaixa nela. Podemos simplesmente ignorá-la, não ler sobre ela, agir como se não existisse.

O distanciamento acaba influenciando como lidamos e nos relacionamos com temas importantes. Uma pessoa de 20 anos, que nasceu na véspera da eleição de Fernando Collor de Mello e, portanto, não tem lembrança alguma da época em que os brasileiros não podiam eleger seu presidente, tem uma compreensão da democracia diferente da compreensão de alguém que vivenciou aquele período. Não afirmo que a visão do jovem necessariamente perca em qualidade. O que me arrisco a afirmar é que há um ganho pessoal para o indivíduo que se interessa por fatos históricos: seu mundo é maior. Cresce no tempo, avança sobre o passado, nos apresenta aos veteranos e suas vidas, como se fôssemos velhos conhecidos. A ponto de lamentarmos profundamente a falta de sorte do soldado Price.

Marleth Silva é jornalista.

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