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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

As crianças são filósofas espontâneas. Observe o que dizem. Fazem perguntas dificílimas que os adultos já desistiram de tentar responder. Se elas colocam essas questões, que são dú­­vidas naturais para os humanos, é porque ainda não sabem que é muito difícil encontrar respostas. Se é que há respostas...

Um de meus filhos ouviu no Discovery Channel que um dia o planeta Terra vai acabar. Dias depois, do nada, me perguntou:

– Quando a Terra acabar, Deus ainda vai existir?

Na cabeça dele a existência de Deus está relacionada à existência do ser humano. E não me pareceu que estivesse insinuando que Deus é uma invenção nossa. Talvez não visse razão para Ele continuar existindo em um mundo sem aqueles que foram criados à sua imagem e semelhança.

Pelo menos em uma questão a opinião dos menores de 12 anos é levada em consideração pelos próprios filósofos. Existe uma tendência entre as crianças em acreditar em vida após a morte. Essa tendência é objeto de discussão porque há quem acredite que a fé dos pequenos vem do que lhes é ensinado e há quem diga que eles acreditam naturalmente, mesmo que ninguém lhes fale sobre vida após a morte. Para o segundo grupo, estudar a atitude das crianças em relação à vida após a morte é uma forma de entendermos a relação do ser humano com divindades.

Aquela pergunta do meu filho tem um frescor e uma sinceridade que são impossíveis de reproduzir. Se eu tentasse provocar um filósofo com uma questão qualquer, teria dificuldade para elaborar. O que me leva a me perguntar: será que tenho vergonha de pensar livremente ou de exprimir minhas dúvidas? Será que não estou bloqueando as dúvidas sobre questões abstratas? Acho que é isso mesmo que está acontecendo. Não sou mais criança e meu estilo de vida não está deixando espaço para divagações.

Espera-se que adultos te­­nham certeza, que saibam guiar suas vidas por crenças bem enraizadas. Dá medo ter dúvidas e aí desconcentrar-se das tarefas que temos de tocar. Ou parecer perdido demais. Além do mais, podemos nos perguntar: que diferença pensar nesses temas abstratos fará na minha vida? Aliás, esta é uma pergunta para os filósofos!

Acredito na importância de pensarmos no abstrato. Mas me dou conta de que sou limitada ao formular as perguntas porque não tenho a originalidade e clareza do pensamento das crianças – que é ao mesmo tempo doce e violenta. Estou aqui tentando formular uma ou duas questões para serem respondidas por filósofos e meu exercício não está dando em nada.

Adulta ocupada e preocupada com questões muito práticas (e, admito, a maioria sem nenhuma transcendência) provavelmente faria alguma pergunta ridícula e bobinha. O inglês Anthony Gottlieb, que escreveu uma obra sobre filosofia (The Dream of Reason: A History of Phi­­losophy from the Greeks to the Renaissance), colecionou perguntas que as pessoas fazem quando têm a oportunidade de conversar com um filósofo. Ele reproduz um diálogo que teria acontecido durante uma viagem de avião e que segue o padrão típico das conversas que os discípulos de Sócrates e Platão andam en­­contrando por aí:

– Então você é filósofo?

– É, eu sou.

– Posso te fazer uma pergunta, uma pergunta filosófica?

– Pode.

– Estou gostando de um rapaz. Eu devo dizer isso a ele ou mandar um e-mail?

Até eu me sairia melhor...

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