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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Trabalhei com uma moça que, quando convidada para algum evento social fora da sua turma, dizia: "Tenho preguiça de conhecer gente que eu não conheço". E não ia. Ela achava que sua casa era o me­­lhor lugar do mundo e as pessoas que contavam eram convidadas a ir até lá. O resto do mundo... Bem, era o resto, e ela não punha muita fé nele. O que separava os que iam à casa dela dos milhões que ela não conhecia era o calendário. Quem apareceu na vida da minha colega até certa altura – vamos dizer até ela chegar aos 38 ou 42 anos – encontrou a porta aberta. Os que apareceram depois, estes chegaram tarde demais. Chega­­ram durante a era da preguiça.

Na situação oposta estão as crianças que vejo brincar na mi­­nha vizinhança. Quanto menores, mais abertas são. Com dois ou três anos brincam com qualquer criança que se aproxime. Mais tarde vão ficando chatinhas: porque os meninos não brincam com as meninas e os pré-adolescentes não jogam com os de sete anos. Daí para frente a coisa só tende a piorar.

A maioria dos dramas que aparece na vida de crianças está relacionada com amigos. Porque amigos são parte importantíssima da vida delas. A outra parte importante é a família. Na adolescência e nos primeiros anos da juventude tem-se a impressão que as amizades vão ficando progressivamente mais importantes e tomando o espaço que um dia foi dos pa­­­­rentes próximos. Há muitos compromissos com a turma e os encontros familiares vão ficando em segundo plano. Até que, a certa altura, a família começa a to­­mar tanto espaço (os filhos pequenos, os pais idosos) que o contato com os amigos se resume a alguns eventos sociais e a um ou outro telefonema ao longo do ano. Co­­mo diria a Lily Brown de Chico Buarque: "Nunca mais cinema, nunca mais drinque no dancing".

Claro que estou tornando tudo esquemático para resumir uma ideia. O que me interessa aqui é a dificuldade dos adultos para fazerem novos amigos. Pior ainda, a dificuldade para mantê-los. A causa disso parece ser a falta de disponibilidade. Para amizades durarem precisam ser cultivadas com contato frequente, telefonemas, abraços de vez em quando. Precisam de boa vontade para aceitar o que nos parece serem faltas do outro (que em 99% das vezes, nem se deu conta de que estava pisando na bola). Ou seja, dá trabalho manter amizades. Que preguiça! Neste caso, que preguiça de aceitar os defeitos de quem eu conheço bem.

Em termos de amizade, adultos são profundamente preguiçosos. Relacionam-se com colegas de trabalho e vizinhos porque os veem diariamente. Quando mudam de emprego ou de endereço, em dois meses esquecem a velha turma. Adultos têm muitos conhecidos e poucos amigos.

É normal que algumas amizades fiquem esquecidas ao longo do caminho. As pessoas mudam de maneiras diferentes e, às vezes, não sobra muito do que falar. Mas de um ou outro amigo todo mundo precisa. Aliás, um ou outro é muito pouco. Porque o amigo viaja, muda de cidade ou morre e você fica na mão. Isso em termos essencialmente práticos, olhando a amizade como algo utilitário mesmo. Porque tem vários outros aspectos: amigos proporcionam conversas divertidas ou inspiradoras. Indignam-se quando alguém faz algo que te machuca. Mostram que você não está tão sozinho.

Estar totalmente sozinho é o pavor supremo do ser humano. Por mais que a gente tenha preguiça de "conhecer gente que não conhece", no fundo não quer ficar sozinho o tempo todo. Tem de ter alguém para mostrar que você existe, é notado, é aceito e – glória das glórias – é apreciado do jeito que é. Famílias, qualquer pessoa com mais de 11 anos sabe bem disso, têm muita intriga e "preguiças" de todo o tipo. Não dá para contar só com ela. E amigos têm uma vantagem sobre parentes: com eles nós nunca vamos brigar por causa de herança.

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