No próximo mês, Elisabeth II vai completar 60 anos no trono do Reino Unido. Se esse aniversário não repercute tanto quanto aqueles casamentos monumentais que são a especialidade da família Windsor, por outro lado atiça um tipo de curiosidade mais saudável: quanto tempo um ser humano deve ou aguenta trabalhar?Elisabeth causa espanto porque ninguém ao pôr o pé no primeiro emprego imagina que 60 anos depois estará na mesma função. Poucos preveem que ainda estarão trabalhando dali a seis décadas. Sessenta anos de labuta parecem demais, mas se as pessoas vivem 85 ou 90 anos, não é razoável pensar que vão trabalhar a maior parte desse tempo?
Voltemos à Elisabeth. O caso dela só serve mesmo como provocação. Elisabeth Alexandra Mary iniciou a carreira pelo posto mais alto. Depois de começar a dar expediente aos 25 anos, ela não poderia mais ser promovida, pois já estava no topo. Poderia ser demitida? Sim, mas era algo improvável no país dela, onde a última deposição de um rei aconteceu há uns quatro séculos. Mesmo hoje, com a Europa assustada por uma crise econômica, alguém acredita que os britânicos derrubarão a monarquia? O caldo terá que entornar muito para que se chegue a esse ponto. Definitivamente, Elisabeth não é como nós.
Mas não deixa de ser alguém que está trabalhando a 60 anos ininterruptos. Com privilégios, é claro. Ainda assim ela não é dona de sua agenda, sempre repleta de encontros oficiais. O trabalho controla nossa agenda e é essa uma de nossas maiores broncas contra ele.
Freud teria dito que ser saudável mentalmente significa ter condições de amar e de trabalhar. De preferência ao mesmo tempo, conforme ele escreveu em carta para sua esposa. O comentário foi feito em tom de desespero porque estava sendo difícil para o psicanalista conciliar o trabalho com o tempo passado com a pessoa amada. Erga a mão quem não entende o drama de Freud. Daí a vontade de muitos de parar de trabalhar. Ou de trabalhar menos. Porque queremos mais tempo para tantas outras coisas que são importantes.
Quem citou a frase de Freud recentemente foi um camarada muito curioso, o inglês naturalizado norte-americano Freeman Dyson, 88 anos. Há 65 anos Freeman trabalha como físico e matemático. Dizem que é um gênio. A propósito do jubileu da rainha Elisabeth, um jornalista inglês procurou profissionais com a mesma longevidade da monarca para saber o que dizem da experiência. A Dyson foi solicitado um conselho para aqueles que estão trabalhando há um ano e outro conselho para os que estão trabalhando há uns 30 anos. Aos novatos, o físico sugeriu: "Não presuma que você precisa saber tudo antes de fazer algo. Agarre as oportunidades e assuma responsabilidades por coisas para as quais você ainda não está totalmente qualificado". Ele garante que foi isso que fez.
E para os mais veteranos, para a turma que tem a carteira assinada há uns 30 anos: "Não tenha medo de mudar de trabalho e de tentar algo novo". Ele se explica: "Se ficamos muito tempo em um lugar, a memória dos que trabalham conosco (e que formam uma imagem consolidada de como seríamos) não nos deixa assumir as mudanças internas pelas quais estamos passando." Ou seja, mudamos ao longo da vida, mas se não mudarmos de ambiente não conseguimos expressar a pessoa que nos tornamos.
Fato é que raros são os corajosos que decidem a hora de mudar e poucos os afortunados que escolhem a hora de parar. Uns trabalham menos tempo do que gostariam porque são levados a uma aposentadoria compulsória. Outros trabalham mais do que pretendiam porque precisam do dinheiro. E a maioria, acredito, sente em certo momento um descompasso entre si próprio e a máquina do trabalho. Querem trabalhar, mas não da forma proposta. A "forma" não lhes acomoda mais. Tenho pra mim que é por causa desse descompasso que a maioria de nós não vai celebrar Jubileu de Diamante no trabalho.
A rainha, essa talvez não tenha escolha. Talvez não confie no seu príncipe herdeiro... Desconfio que depois da festança deste ano ela vá decidir que é hora de pendurar a coroa. E vida longa à rainha para ela ter tempo de aproveitar a aposentadoria.
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