| Foto: Felipe Lima

Ao fim de 1992, a rainha Elizabeth II usou o seu melhor latim para declarar que aquele tinha sido seu annus horribilis. Falava como mãe: três de seus quatro filhos haviam se divorciado (o quarto era solteiro); falava como monarca: um incêndio quase destruíra o castelo de Windsor. Talvez se queixasse por ter de abrir a carteira: o Parlamento decidira que ela começaria a pagar impostos. Um retrospecto pesado para um período de apenas 12 meses.

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Victor Hugo chamou 1870 de annus horribilis porque ele foi péssimo para os franceses, que viram Napoleão III ser derrotado pela Prússia e Paris, sitiada.

Segundo a The Economist, 2008 foi o annus horribilis do mercado financeiro. E assim há vários outros.

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Antes de se falar em anos terríveis, já se falava da situação oposta: o annus mirabilis, ou seja, o ano milagroso, maravilhoso ou, simplesmente, o ano incrível.

John Dryden entendeu que era incrível que, depois de tanta desgraça e sofrimento, o povo e o país ainda seguissem em frente

O poeta inglês John Dryden intitulou de “Annus mirabilis” um longo poema sobre 1666. Os supersticiosos temiam que, por conter o número da besta (o 666), aquele seria um período negro. Foi mesmo, pelo menos na Inglaterra, que enfrentou uma epidemia de peste bubônica (um quinto dos londrinos morreu) e o Grande Incêndio, que quase acabou com a cidade de Londres (70 mil imóveis destruídos). Onde, então, a maravilha, o milagre? Dryden entendeu que era incrível que, depois de tanta desgraça e sofrimento, o povo e o país ainda seguissem em frente, se erguessem e começassem tudo de novo.

Seguindo o raciocínio do poeta, podemos dizer que todo ano terrível é também um ano milagroso porque resistimos e recomeçamos e reconstruímos o que precisa ser refeito (“Annus mirabilis” é o título de outro poema, este do nosso contemporâneo Philip Larkin, que chamou 1963 de “ano magnífico”, quando a vida sexual dos ingleses teria se tornado mais livre).

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Enquanto esperava a epidemia de 1666 acabar, Isaac Newton se refugiou no campo. Com tempo para pensar à sombra das macieiras, fez suas grandes descobertas. Portanto, o ano da peste e do Grande Incêndio foi para ele o ano maravilhoso, assim como 1905 seria para Einstein. Os quatro artigos publicados por Einstein naquele ano e que revolucionaram a nossa compreensão do universo são chamados de “Artigos do annus mirabilis”.

Há quem pense que a expressão annus horribilis foi cunhada por Elizabeth II, o que não é verdade. Como mostrou a série The Crown, a rainha não é uma pessoa “estudada” e apenas emprestou palavras que vêm sendo usadas ao longo dos séculos para designar períodos que são uma fileira de infelicidades. Como 2016 para os brasileiros.