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Luciana Worms

Conversa de mulherzinha

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Há cerca de um mês recebi o convite da Marleth Silva para escrever durante as férias dela. Fiquei muito honrada. Volta e meia escrevo um artigo ou outro aqui na Gazeta – quando aviões se chocam com prédios em Nova York, ou quando matam algum "terrorista" procurado pelos EUA –; às vezes dou um palpite aqui, outro ali em fatos variados – Lula no Oriente Médio, aniversário do Chico Buarque, terremoto no Haiti, mudanças em Cuba –, mas nunca fui chamada pra escrever uma coluna semanal.

Quando o convite chegou, aceitei de pronto, apesar da responsabilidade. Depois lembrei: putz... eu também estou em férias! Preciso dizer não. Não consegui. Em seu e-mail, Marleth me contou que era a única articulista mulher. Não foi de um modo militante. Ela só mencionou que gostaria que outra mulher a cobrisse. Isso mudou tudo. Fiquei mais honrada ainda e pensei: lá vou eu de novo me meter em "coisa de menino".

Há mais de 20 anos, quando eu fiz faculdade de Direito – coisa que definitivamente não é mais só pra menino –, resolvi complicar a minha vida e fui dar aula em cursinho pré-vestibular, a convite do professor e jornalista Demétrio Magnoli. Aí o bicho pegou. Só tinha homem no tablado. Todo mundo estranhava. Os colegas, os alunos. Eu estava claramente fora do meu lugar.

Hoje tenho a clareza de que só entrei pra esse clube do Bolinha porque não estudei pra ser professora. Infelizmente, do MEC-Usaid (anos 60) pra cá, ser professor no Brasil virou um ato de abnegação. Entrei pro grupo dos professores que ganham bem porque fiz Direito. Se você estudou pra ser "doutor" (na acepção mais tacanha da palavra), deu certo na vida. Agora, estudar para ser professor?! Já começou errado. Isso ainda me dá certa vergonha. Não é fácil, ideologicamente, ter a consciência de que se vive da desgraça dos outros. No caso, da desgraça do que virou a educação no Brasil a partir dos anos 70.

Lá em casa é assim. Meu marido é professor. Estudou pra isso – nem sei, portanto, como virou professor de cursinho. Acho que é porque é bonitão e fala bem... tem a letra linda na lousa. E sabe cozinhar! Eu não fiz magistério, tenho uma letra horrorosa não só na lousa, e nem sei como se liga o fogão. Acho que é trauma.

O fato é que nós, meninas – claro que estou sendo indulgente comigo mesma –, conseguimos espaço, mas ainda em muitos casos tem de ser na pernada. No sentido masculino do termo...

Há uns dois anos houve um ciclo de palestras e debates no Teatro da Reitoria da UFPR sobre História do Pensamento Jurídico. Quando soube que meu querido professor na USP José Reinaldo de Lima Lopes falaria, fui assistir, emocionada. O tema não era exatamente mulher, mas o professor salientou que à mulher sempre coube um papel subalterno, opressivo. Durante a escravidão no Brasil até as escravas podiam dizer não aos seus senhores. As "esposas", jamais.

Claro que todos sabemos que na maioria dos casos a mulher ganha menos, é a maior vítima de violência doméstica, tem jornada dupla. Enfim, nada de novo. Mas constatar que a ela, historicamente, foi delegado o silêncio me deixa cheia de vontade de falar sem parar.

Conclusão, tudo isso pra dizer que o critério da Marleth ao me convidar pode não ter sido tão ideológico assim, mas o meu em aceitar foi.

Podem ficar tranquilos. Não vou ficar com esse papo de mulherzinha nos próximos sábados. Sei escrever sobre outras diferentes coisas que não sejam condição da mulher, música e conflitos no Oriente Médio.

Em tempo: MEC-Usaid foi um acordo assinado entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States Agency for International Development (Usaid), com o objetivo oficial de promover a reforma do ensino brasileiro. A implantação desse programa impôs ao Brasil o assessoramento, por parte dos EUA, da linha ideológica da educação. Disciplinas como Filosofia, Latim e Educação Política foram suprimidas do currículo escolar, e História teve a carga horária reduzida para que os estudantes não percebessem o que acontecia durante a ditadura. Fez um belo estrago!

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