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Vem aí uma investida per­­niciosa contra um dos pilares da civilização, o tédio. Quem dá a notícia é um colega que me fala do empenho da empresa em que trabalha para criar novos produtos para telefone celular. São notícias e curiosidades enviadas para os aparelhos. Justificativa para o novo serviço: é para manter ocupadas as pessoas durante os momentos de "microtédio". Isso mesmo, microtédio, que se­­gundo me explicou o colega, são aqueles 20 minutos que você passa esperando a consulta do dentista, ou 10 minutos gastos na sala de espera da orientadora da escola de seu filho, ou cinco minutos que aguarda enquanto trazem o resultado do seu exame de sangue. Sem nada para fazer, um tédio. Como é curto, é um mi­­crotédio. Pois agora, querem eliminar o microtédio.

Para quem trabalha e tem uma vida pessoal (de qualquer tipo que seja), tédio por falta total do que fazer é uma raridade. Por isso não considero o mi­­crotédio de todo inútil. Ele é como um campo neutro a que a pessoa tem acesso ao longo do dia, para se recompor e olhar pa­­ra dentro de si. Juntar informações e ter uma chance de perceber algo de forma nova. O microtédio pode ser o momento de cria­­tividade, em que o pensamento vagueia, avança e recua no tempo. Pode ser a horinha em que olhamos o mundo a nossa volta sem interagir, sem fazer nada porque não há nada a fazer.

Dia desses dei uma carona pa­­ra uma pessoa que passava mal e que precisou ir à unidade de saúde do Campo Comprido. O atendimento acabou sendo prolongado e fiquei por lá umas duas ho­­­ras. Fazendo o quê? Nada. Olhan­­do as árvores. A unidade de saúde do Campo Comprido está cercada de árvores, grandes araucárias, e não tem nem uma lanchonete ou banca de jornal por perto. É o ambiente perfeito para todos os tipos de tédio.

Pois fiquei eu lá, olhando quem entrava e saía, quem esperava, curiosíssima para saber por que uma criança berrava tanto e prevendo a cara de desespero da mãe (quando elas saíram, confirmei: a menina de olhos vermelhos, mas tranquila; a mãe como quem sobreviveu a uma chacina). Novelinhas, para mim sem começo nem fim. Como a da senhora que gritou para a moça que a acompanhava: "Se era para me trair, por que não me deixou morrer em casa?" Depois disso, saiu e embarcou no táxi, com cara de paisagem, enquanto a moça, constrangida, abria caminho para ela. Tempo de sobra para pensar, sem ninguém te interromper. Sem po­­der cuidar de tarefas práticas e, por isso, sem peso na consciência pela inação. O microtédio é uma bênção. E agora querem acabar com ele.

Nem vão precisar de muito empenho. Olhe em volta em um desses lugares onde se espera por algo e repare como as pessoas já usam o celular para "matar" o tempo (um crime estúpido, convenhamos). Quando estão sem nada para fazer, remexem no celular checando não sei o que, organizando, só olhando. E a maioria dentro dessa maioria que fica manipulando o celular nem usa os aparelhos para ler notícias e outras novidades que estão sendo criadas para matar o microtédio. Ou seja, a sobrevivência desses minutos de ócio já está seriamente ameaçada.

Se eu fosse psicóloga, socióloga, antropóloga ou outra especialidade dessas que habilitam as pessoas a analisar o mundo com ferramentas científicas, iria me debruçar sobre o futuro da humanidade sem microtédio. Minha teoria: a memória vai piorar (informação demais e pouco tempo para processar) e a sensação de que o tempo voa vai aumentar (estaremos sempre ocupados). Talvez fiquemos sem assunto para conversas como esta, para o papo furado, para o silêncio. Em resumo, a vida vai ficar um tédio.

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