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Como um Moisés que divide o Mar Vermelho ao meio, o trabalho está organizando a humanidade em dois grupos: os muito ocupados e os desocupados. Os muito ocupados vivem se queixando de que não têm tempo para nada, que estão cansados, que querem férias. É verdade que alguns se queixam por vaidade ("tanta coisa depende de mim para acontecer"). Outros se queixam porque estão realmente sem tempo para viver.

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"Mas trabalhar é viver", me dirá um leitor. "Mais que isso, para alguns trabalhar é a razão de viver." Tem razão, interlocutor imaginário que conversa comigo dentro da minha cabeça. Longe de mim julgar os que vivem assim por necessidade ou opção. É que ouço tantas pessoas se queixando e, pelo que observo na vida delas, sei que têm razão para pedirem água. Além do trabalho, gastam muito tempo indo e vindo, estudam isso e aquilo e ainda se ocupam daquela listinha de tarefas que a maioria dos adultos precisa administrar para suas vidas não se transformarem em um caos.

Os "desocupados", por sua vez, podem ser felizes ou infelizes, dependendo do que os levou ao ócio e da coragem que têm para desfrutar do tempo livre. Sim, é preciso coragem. Eu, por exemplo, admirava a coragem do meu ex-vizinho Alfredo, que toda tarde estendia a rede na varanda do sobrado e se instalava lá com um livro à vista dos passantes invejosos. Estava feliz na sua aposentadoria e não tinha vergonha disso. Mas há gente que tem vergonha, e dá para entender o porquê.

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No Brasil, só a atividade "na firma" é vista como útil para o indivíduo e para a sociedade. O trabalho voluntário e a atividade artística têm um status inferior, como se eles não contribuíssem para uma sociedade mais rica (riqueza aí entendida não só como dinheiro, mas como capital cultural e humano). Se as atividades artísticas e o trabalho voluntário não fossem vistos como vadiagem, seríamos todos mais cultos, solidários e felizes. Pode acreditar em mim.

Conta o meu amigo Vilalba, que é ilustrador, que ao dizer para alguém que desenha às vezes ouve a réplica: "Ah, sei. E o que você faz como trabalho?" Réplica que indica desconhecimento ou inveja... Mas, afinal, qual a culpa do Vilalba se ele tem um trabalho mais criativo que a maioria de nós?

Os homens são as grandes vítimas dessa valorização (a meu ver, excessiva) de um único tipo de atividade. Quando se aposentam, sofrem mais que as mulheres para se adaptarem à nova vida. Em geral, homens têm como única ocupação o trabalho. Vadiar – aprendem desde pequenininhos – é vergonhoso. Eu também acho feia a vadiagem sem-vergonha, aquela do sanguessuga que vive à custa do outro que sua a camisa. Claro que é. Mas essa correria toda... Alguma coisa está fora de ordem.

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