Esta semana encontrei em um livro a palavra “borogodó” usada no sentido que me parece ser o original: o de um charme secreto, indefinível. Aquilo que o resto do mundo chama de “je ne sais quoi”. Esta expressão francesa também é conhecida no Brasil, mas anda fora de moda. Então voltemos ao borogodó, que virou sinônimo de coisa ruim ou “o fim da picada”. Nunca entendi essa guinada para o lado negro da palavra. Faz mais sentido usá-la para denominar o tal charme misterioso. Veja bem, são quatro sílabas, todas elas com a mesma vogal. Só a última se sobressai com seu acento agudo: é o ó do borogodó.
Quem tinha o tal borogodó era o senhor Zózimo Barrozo do Amaral Filho, o Boy, um milionário carioca que, nos anos 30, fazia o Rio de Janeiro suspirar diante de seu charme. “Dava a impressão o tempo todo – os cabelos gomalinados, os vincos da calça perfeitos, a camisa social com boas abotoaduras – de estar saindo do banho naquele instante. Era um típico grã-fino carioca. Fino, mas sem ostentação, como se a classe lhe fosse um dom de nascença”. Está no livro Enquanto houver champanhe, há esperança, de Joaquim Ferreira dos Santos. Trata-se da biografia do jornalista Zózimo Barrozo do Amaral, que foi responsável por uma daquelas colunas de notas que fizeram a glória da imprensa carioca. Misturava curiosidades sobre as altas rodas – que originavam as fotos usadas para atrair os olhos dos leitores – com jornalismo de qualidade.
Zózimo Barrozo do Amaral, filho de “Boy”, foi responsável por uma daquelas colunas de notas que fizeram a glória da imprensa carioca
Em tempo: comprei o livro recém-lançado para presentear e, como costumo fazer, vou lendo enquanto não visito o sortudo que ganhará o presente. Por isso ainda não cheguei ao final.
“O termo só entraria na moda mais adiante, mas já ali nos anos 1930 Boy apresentava ao Rio de Janeiro o que se chamaria de ‘borogodó’”. O Zózimo que tinha borogodó era o pai do Zózimo colunista. Segundo a biografia, o filho também era um irresistível sedutor, mas seu charme era fácil de explicar: era culto, elegante, bem-humorado. Todo mundo queria andar por perto dele.
Pois este homem que bebia scotch e champanhe e que deixava um rastro de perfume francês em torno de sua mesa, nas redações de O Globo e do Jornal do Brasil, foi preso pelo governo militar em 1969 por causa de uma nota. Zózimo contou que, na inauguração da BR-277, ligando Paranaguá à Ponte da Amizade, os generais Costa e Silva e Alfredo Stroessner se encontraram em Foz do Iguaçu. O ditador paraguaio teria levado tantos seguranças que até o ministro brasileiro do Exército, general Lyra Tavares, levou um empurrão de um deles e quase caiu.
Qual a parte “subversiva” desta notícia? Quem errar a resposta tem de prometer que nunca pedirá a volta da ditadura, já que não sabe do que está falando.
A parte subversiva era o uso do verbo cair. Ele era sempre interpretado nos quartéis como sinônimo de cair em desgraça. Os generais não caíam, portanto.
E assim foi o colunista social, com seu perfume francês e terno bem cortado, para a prisão e de lá saiu com o compromisso de fazer uma retificação. Na retificação, ele dizia que o general Lyra nem tinha estado na inauguração por estar fatigado. Eu diria que um general fatigado é pior que um general que foi empurrado e quase caiu. Mas não era assim em 1969.
Em resumo, um belo livro, que ainda darei de presente de Natal a um amigo. Natal tem todos os anos, certo?
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