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Demorei para pôr os olhos em Memorando, que encontrei em um sebo (fazer pagamentos de compras on-line às vezes é bem complicado). Finalmente o livro escrito pelos jornalistas Geraldo Mayrinki (mineiro, mor­­reu no ano passado) e Fer­­nando Moreira Salles (carioca) chegou pelas mãos do carteiro e matei minha curiosidade de ver uma versão brasileira para os "Eu me lembro..." feitos pelo es­­critor francês Georges Perec e pelo ilustrador americano Joe Brainard. Trata-se de uma espécie de autobiografia sem pompa e com um jeito de poesia. Recordações de fatos pequenos e de um outro momento marcante da vida do autor são relatados em uma única frase. Brai­­nard publicou I Remember em 1970 e nele fala dos Estados Uni­­dos de seu tempo e revela alguns episódios de sua iniciação sexual. Fez muito sucesso e lançou mais quatro títulos na mesma linha.

Naquela época, os brasileiros estavam em contato com Brainard, mas não sabíamos disso. Seu personagem mais famoso, uma menininha chamada Nancy, que lembra a Mafalda, de Quino, era publicada no Brasil. Lembro ter visto, quando criança, o gibi da personagem. Parece que se chamava Xuxuquinha e foi publicado durante os anos 60 (desses detalhes, não me lembro, mas encontrei a informação na internet). O Felipe Lima, ilustrador talentosíssimo que ilustra esta coluna, colocou a per­­so­­nagem aí ao lado para re­­frescar nossa memória.

Para deixar claro do que estou falando, aí vão alguns "eu me lembro..." de Brainard, pai da Xuxuquinha:

"Eu me lembro de um professor que tive, de história dos Es­­tados Unidos, que sempre ameaçava se jogar pela janela (do se­­gundo andar) se não ficássemos quietos."

"Eu me lembro do quanto queria, quando estava no ensino médio, ser bonito e popular."

"Eu me lembro do quanto um copo de água gelado pode ser gostoso depois de uma taça de sorvete de creme."

"Eu me lembro de quando tive minhas primeiras ereções e de como achei que estivesse com alguma doença terrível."

"Eu me lembro de quando poliomelite era a pior coisa do mundo."

Alguns exemplos de George Perec, o mais inspirado, na minha opinião:

"Eu me lembro de fazer prova de roupa na costureira."

"Eu me lembro do cheiro da cola que a gente usava na escola."

"Eu me lembro do nome dela: Isabelle."

"Eu me lembro de ter esperado o fim do ano escolar a cada reinício das aulas."

"Eu me me lembro de ‘um pequeno passo para um homem, mas um grande passo para a humanidade’."

"Eu me lembro de uns jeans que eram tão justos que a gente precisava se deitar no chão para conseguir fechar o zíper."

"Eu me lembro das confissões na igreja: sempre confessava ter sentido raiva e ter sido guloso. Mas não era muito grave e a punição era branda."

E a dupla brasileira, Mayrink e Moreira Salles:

"Eu me lembro do Garrincha explicando por que só chutava com o pé esquerdo: ‘Se eu chutar com os dois eu caio’."

"Eu me lembro de que o presidente Figueiredo pediu que a gente se esquecesse dele."

"Eu me lembro de que as sessões de cinema eram às duas, quatro, seis, oito e dez horas."

"Eu me lembro de que era quase impossível entrar acompanhado em um hotel sem mostrar a certidão de casamento."

"Eu me lembro de que ‘Sua estupidez não te deixa ver que eu te amo’."

Um dia, vou juntar minhas memórias com a dos leitores, que me escrevem contando coisas incríveis de que se recordam, e fazer um "Eu me lembro..." para nós. Me cobrem se eu es­­quecer.

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