De cada estação, pelo menos uma lembrança. Pode acontecer de ser ruim – não estamos livres disso. Se não fica nenhuma recordação é porque os dias foram mal vividos. Deste verão, ficará para mim a recordação dos últimos dias, ensolarados e frescos. Cada tarde se encerrando com um pôr do sol de cartão postal. Em linguagem de 2016, um pôr do sol com foto no Instagram, um fim de tarde com hashtag.
Uma semana com o clima tão bom merece uma crônica
Às noites é a lua crescente que impressiona, às vezes amarela e opaca, às vezes branca e brilhante. O céu, sempre estrelado. Nada das noites escaldantes dos dois verões anteriores, nem dos insetos que não deixavam minha vizinhança bater papo de tardezinha em frente às casas. A chuva, quando caiu esta semana, foi branda e pouca. Foi do tipo “chuva-e-sol-casamento de espanhol”, não mais o aguaceiro que vinha desde a primavera.
Da janela em frente ao computador, vejo o teto do vizinho liberando o vapor em que se transformou o chuvisco recém-caído sobre as telhas quentes. Vejo as cores brilhantes que as luzes do fim da tarde projetam nas araucárias. As araucárias, registre-se, são as grandes estrelas do pôr do sol curitibano, como atestam as dezenas de fotos delas no lusco-fusco que tantos gostam de compartilhar.
Uma semana com o clima tão bom merece uma crônica.
Teve mais. Teve Gustavo, pelado, aproveitando o sol. Distraído como só os menininhos de 3 anos podem ser. De vez em quando meu vizinho aparece sem roupas em frente à casa onde mora. Provavelmente aproveita alguma distração da mãe no momento de se vestir e escapa para não ficar longe do sol. O responsável pela nudez de Gustavo é o sol, certamente. É por ele que o garotinho se expõe, que pisa na calçada quente, testando o quentinho do soalho. Outro dia vi quando, nuzinho, experimentava com o pé o calor da tampa de ferro que cobre os fios de telefone. Mexia um pouco os lábios, como se conversasse.
Desconfio que Gustavo está sempre falando consigo mesmo em diálogos intermináveis sobre o mundo. Mundo que ele descobre todos os dias em experiências banais para um adulto, como sentir a calçada aquecida pelo sol ou perceber que um ventinho está vindo de uma determinada direção. Para o menininho, nada de banalidades: ele experimenta tudo com a intensidade de quem faz uma descoberta. Crianças são grandes descobridoras do mundo à sua volta. Adultos precisam ir longe quando querem descobrir algo novo, por isso viajam.
***
Quando meu filho era bem pequeno, um dia me perguntou se eu podia levá-lo para conhecer Nova York. E o que ele queria ver em Nova York? Ele pensou um pouco e respondeu: “A Torre Eiffel”. Muitos anos, muita economia e muitas aulas de Geografia depois, estamos prontos para a viagem. Mas tem uma tempestade no nosso caminho, um temporal carregado de gelo e neve que ameaça soterrar a Costa Leste dos Estados Unidos e cancelar os voos. Escrevo sem saber se vou ou se fico.
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