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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Esqueça o 11 contra 11. São 50 jogadores de cada lado. É noite de Natal. Para eles, Christmas Eve e Heiligabend. Divertem-se com a bola improvisada. Chutam, brincam. Passes e dribles. Alemães de um lado, ingleses do outro. Ninguém perde. Depois de meia hora, afundam-se nas trincheiras. Era 25 de dezembro de 1914 e a maioria deles iria morrer nos anos seguintes.

O estraga-prazer foi o major britânico. Aos gritos, lembrou seus comandados que estavam lá para matar alemães, não para fazer amizade com eles. Usou uma palavra bem mais forte que “alemães”.

A “trégua de 1914” não é uma ficção de Natal. Está registrada na burocracia dos comandos militares.

O fuzileiro inglês Bertie Felstead era um rapazola de 20 anos lançado em território francês para enfrentar os alemães. Juntou-se ao grupo que saiu da vala no chão empoçado pela neve. Aproximou-se do inimigo para um corpo a corpo em torno da bola. Não foi uma partida, contou ele quando já era um centenário em uma casa de repouso. Eram homens demais no campo. Qual campo? A faixa de terra entre as trincheiras, a chamada Terra de Ninguém.

Ao povo e à soldadesca havia sido dito que no Natal a guerra já teria acabado. Era mentira

Comentário de Bertie sobre os adversários: “Os alemães foram legais”. Ah, Bertie, se o major estraga-prazer ouvisse isso...

Naquele período, houve tréguas improvisadas ao longo das frentes de batalha. Ao povo e à soldadesca havia sido dito que no Natal a guerra já teria acabado. Como perceberam que era mentira, os soldados passaram a fazer tréguas por conta própria. Como pequenas greves. A do Natal teria sido uma das últimas antes da reação dos comandos militares. Os generais ficaram com medo de que, ao se aproximar do inimigo em condições pacíficas, os soldados decidissem não lutar mais. Iniciar uma trégua significou, a partir de 1915, enfrentar uma corte marcial.

Bertie Felstead se lembrava de que, na noite de 24 de dezembro, ouviram canções de Natal vindo do lado alemão e responderam cantando. Ao longo do dia 25, soldados se arriscaram a sair da trincheira e, quando os inimigos se encontravam, havia apertos de mão. Trocaram alimentos e jornais velhos, como se fossem presentes. Isso teria acontecido em vários pontos da linha de frente. Ele voltou para casa como soldado raso, seguiu a vida como operário e morreu aos 106 anos. Por causa de sua participação na pelada da Terra de Ninguém, seu obituário foi publicado mundo afora. Inclusive em revistas especializadas em futebol.

O confronto recrudesceu nos anos seguintes e não houve mais intervalos na “guerra para acabar com todas as guerras”.

PS: Caro leitor, já contei esta história dois anos atrás. Está aqui, reescrita, a pedido de um leitor que a considera o melhor “conto de Natal”.

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