Um dia acreditei que dormir pouco fosse uma bênção. Tantas horas perdidas fazendo nada quando há tanto a se fazer, a se pensar, a se conhecer. Mas dormir é bom. Não invejo os insones e me conformei com a minha necessidade de oito horas de sono. Sono profundo, sem despertares. Ouço como contos de terror aqueles relatos de pais sobre os bebês que acordam a cada duas horas para mamar ou a cada três, aos berros, para serem acalentados.
A maioria dos que não pegam no sono facilmente ou acordam no meio da noite e não adormecem novamente arrastam sua insônia pela vida afora. Não se curam.
Os adolescentes dormem muito, mas querem dormir tarde. Os idosos são os que mais sofrem com noites mal-dormidas.
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Muitos escritores são insones e produzem nas horas em que deveriam estar roncando. Pensar muito tira o sono. Graciliano Ramos tem um livro de contos em que as noites em branco são o tema central (Insônia). A descrição que ele faz da relação do insone com o leito é perfeita: "Não consigo estirar-me na cama, embrutecer-me novamente: impossível a adaptação aos lençóis e às coisas moles que enchem o colchão e os travesseiros". Coitado.
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E há o medo de ver que a noite acabou, que é tarde demais para cair no sono. Borges conta como é:
"Noites de longa insônia e de castigo Que ansiavam a alba e a temiam."
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O tatu dorme 18 horas por dia. O gato, de 12 a 16. Se não for estimulado, o gato se entedia e dorme muito; ou seja, dorme por falta do que fazer. Coalas dormem 22 horas por dia. Girafas, apenas alguns minutos.
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Meu amigo Dante luta contra uma insônia há décadas. Agora um novo médico lhe receitou um medicamento moderno que o fez dormir como um anjo durante alguns dias para depois mantê-lo acordado até o sol raiar. A alegria durou pouco, mas ele parece estranhamente conformado. Será que o corpo dos insones se acostuma com as noites brancas?
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Dostoievski responde que não, em Crime e Castigo: "Acordou no dia seguinte já tarde, depois de um sono intranquilo, mas o sono não o revigorou. Acordou amargo, irascível, com raiva, e olhou com ódio para o cubículo".
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Nuit blanche é como os franceses chamam uma noite sem sono, uma noite passada em branco. Desde a década de 80, é também o nome de um evento cultural que ocorre durante o verão em algumas cidades francesas, com museus abertos e concertos madrugada adentro. Veio daí a inspiração para a Virada Cultural brasileira. Em Curitiba, o povo preferiu ir dormir mais cedo e agora a Virada tem um intervalo para todos se entregarem aos braços de Morfeu.
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Morfeu é o deus grego dos sonhos. Foi a partir do nome dele que se batizou a droga morfina.
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Deixando os antigos ídolos pagãos, chegamos ao rei Davi, que celebrou sua fé e suas deliciosas noites de sono em um só salmo: "Apenas me deito, logo adormeço em paz, porque a segurança de meu repouso vem de Vós, Senhor."
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Há quem tenha fé e mesmo assim não tenha sossego. Para eles há uma novena: "Senhor, Deus e Pai de misericórdia, em nome de Vosso Filho Nosso Senhor Jesus, venho vos pedir a restauração de todo o meu ser, de minha integridade física e espiritual, e a libertação emocional e afetiva de que tanto preciso..."
