Há uns dois meses, mencionei neste espaço o escritor russo Leon Tolstoi, que fugiu de casa aos 82 anos para escapar das brigas com a esposa e os filhos por causa de dinheiro. Ainda que não dissesse isto claramente, meu texto induzia a pensar que a esposa de Tolstoi era dinheirista e que incomodava o autor de Anna Karenina com suas preocupações vis. No momento em que escrevia, me passou pela cabeça que talvez estivesse sendo injusta com uma senhora que, sepultada há quase cem anos em solo russo, não poderia se defender. Eu não sabia nada sobre ela. Pois um leitor atento se manifestou em defesa de Sonia Andreievna e, gentilmente, me deu a entender que fui injusta.
Porque se uma mulher teve 13 filhos, como Sonia Andreievna teve, ela passou quase 10 anos grávida e enfrentou 13 partos. Isso já seria motivo suficiente para beatificá-la ou, no mínimo, reconhecê-la como alguém especial. Afinal, um ser humano que passa uma década carregando outros seres humanos dentro de si e provavelmente outra década dando de mamar é um ser humano normal? Ainda vê o mundo da mesma forma? Duvido. Justiça seja feita a Sonia Andreievna, ela merecia tratamento de rainha.
Mas Sonia Andreievna teve a sorte ou o azar de se casar com Leon Tolstoi, também chamado de Liev, Lev, Leo ou Leon (todo russo que se preza tem cinco nomes e 17 apelidos pelo menos nos livros de Tolstoi é assim). Como se sabe, casar com um gênio não é fácil (e algum leitor vai me escrever para dizer que casar não é fácil nunca, independente do QI do cônjuge). Para piorar, parece que Tolstoi era... esquisito.
Órfão desde pequeno, ele foi criado por babás e educadores contratados. Nada que se parecesse com uma família normal. Perdido e carente, tentou o exército. Só agravou seu desespero. Gastou anos em farras e bebedeiras e a vida continuava ruim. Aí apareceu Sonia Andreievna. Dizem os biógrafos que o casal nutria uma paixão ardente e sensual, que resultava em muita briga e muita gravidez. Mesmo quando estava "de resguardo", ela passava a limpo os escritos de Tolstoi. Guerra e Paz (700 páginas) foi manuscrito por ela oito vezes! E tomava conta de todos os aspectos práticos da vida da família, inclusive do dinheiro, para que o marido pudesse escrever. Ele odiava a gravidez e a amamentação (porque achava que sexo nesses períodos é asqueroso) e ficava longe da esposa naqueles meses.
Mas Tolstoi continuava angustiado e tornou-se um místico que não comia carne e que se vestia como um camponês. Decidiu que iria abrir mão dos direitos autorais de seus livros e doar tudo o que tinha o que significava não deixar herança para Sonia Andreievna e os filhos. As brigas pioraram. E aí chegamos à fuga de Tolstoi, que acabou morrendo de pneumonia em uma estação de trem, e à nossa conclusão: afinal, Sonia era uma bruxa dinheirista ou uma esposa que comeu o pão que o diabo amassou e lutou por seus direitos?
Não sei o que o leitor vai concluir agora que sabemos um pouco mais sobre a dupla Sonia/Leon. Da minha parte, acho que em se tratando de casais nunca sabemos o suficiente para apontar culpados e vítimas. Por isso retiro o que insinuei inadvertidamente sobre ela e reconheço que, nos casamentos, as coisas nunca são apenas o que chega aos ouvidos da vizinhança.
marleth@gazetadopovo.com.br
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