| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Um homem jovem vai se casar com uma moça bonita, sofisticada e rica como ele. Ao vê-los, as pessoas dizem que formam um casal perfeito. Dias antes do noivado, ele vai comprar um presente para ela (uma bolsa importada, chique e cara). É atendido na loja por uma prima distante, que não via há anos. Surge uma desculpa qualquer para se encontrarem fora dali. Começam a ter um caso. É uma aventura, encontros que devem acabar assim como começaram, inconsequentemente. Mas ele se apaixona, os encontros continuam e o comportamento dele começa a mudar. Ele e a prima se afastam. É tarde demais. Os planos de casamento estão arruinados. Passam-se os anos, passa a vida e o amor não desaparece. Ou a lembrança do amor. O homem desenvolve uma obsessão por objetos que estiveram ligados a sua amada. Guarda o cinzeiro que ela usou, um grampo de cabelo, um lenço, uma página de jornal que ela leu. É tanto "souvenir" daquele amor, que ele decide reuni-los em um museu, tornando pública a obsessão que tem por ela.

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A história que estou contando é o enredo de O Museu da Inocência, do turco Orhan Pamuk. Um livro ótimo em que a história do casal é quase um acessório e os personagens centrais são a cidade (Istambul) e o amor. O amor dura para sempre mesmo que acabe, nos diz Pamuk. Como assim?

O amor continua presente, em algum canto dentro daquele que amou, ainda que os corpos tenham se separado. E a cidade... Ah, a cidade onde vivemos vai influenciar totalmente a nossa vida. Não somos tão livres quanto gostamos de acreditar, a cidade determina nossa história tanto quanto a nossa vontade. O turco não usa essas palavras. Sou eu que estou traduzindo assim o que encontrei no livro.

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Pamuk foi ainda mais longe. Materializou o romance imaginário em um museu. O Museu da Inocência foi inaugurado em maio de 2012, em Istambul. É uma casa pequena em uma rua escondida onde estão expostos objetos colecionados pelo autor e que representam aqueles que são citados no livro. A exposição é uma mera curiosidade, um complemento em 3D para um livro maravilhoso. Não é imperdível. O livro é.

Mais conformado com o fim de um romance do que o personagem de Pamuk estava uma dupla de artistas de Zagreb, na Croácia. Os dois, que são "ex" um do outro, montaram o Museu dos Corações Partidos com os objetos que lembravam o casamento, mais a memorabilia dos amigos (todo mundo tem um romance frustrado guardado no armário na forma de cartões, presentinhos, discos, papéis, fotos...). Vieram doações, como o machado que uma berlinense usou para arrebentar os móveis do ex-namorado, em um acesso de raiva. Cada objeto tem ao lado uma breve descrição de seu significado. Sem uma história, um machado é só um machado. Por que as pessoas doam esses objetos? Como catarse, suspeitam Olinka e Drazen, os donos do museu.

Acho que não foi intenção de Orham Pamuk, nem de Olinka e Drazen, mas eles reafirmam que o amor sobrevive ao fim do amor. Sobrevive até a nós. A personagem de O Museu da Inocência morre, mas o amante expõe o que restou dela em um lugar nobre, o museu, para que todos saibam que ela existiu e que, aos olhos dele, foi maravilhosa. As pessoas que deixam no museu de Zagreb suas lembranças de amores que se acabaram de forma infeliz expõem a dor e o desapontamento com a intenção de enfraquecê-los. Como efeito colateral, acabam por eternizá-los. O que têm em comum é que, ao compartilhar a dor de amor com o mundo, livram-se ao menos do sufocamento.