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Não me leve a mal. Valorizo a democracia e seus processos, mas não gosto de campanha eleitoral. Há nelas um ritmo histérico e irracional, um vale-tudo que nasce dos bastidores dos candidatos e se espalha pela sociedade. Muitos eleitores falam qualquer bobagem para convencer (e se convencer) que aquele candidato que apoia não é imprestável. Em um momento tão importante, os discursos são vazios e irresponsáveis.

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Mesmo assim, eu tenho a minha campanha eleitoral favorita, a que não vou esquecer. Foi a de 1989, a primeira eleição direta para presidente depois dos 21 anos de regime militar e de quatro anos do governo Sarney (eleito pelo colégio eleitoral em 1985 junto com Tancredo Neves). Foi a primeira e única eleição presidencial que eu cobri como repórter. Era recém-formada e trabalhava para o Jornal do Brasil.

Havia ambições represadas pela ausência de eleições e todos que sonharam em ser presidente se candidataram, todos os partidos quiseram estar lá. Em uma só cédula eleitoral estavam o comunista Roberto Freire e o verde Fernando Gabeira, mais Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola, Aureliano Chaves, Affonso Camargo, Afif Domingos (que era um candidato apagado, mas fazia sucesso no Paraná), "meu nome é Enéas", Ronaldo Caiado, Lula, que quase chegou lá, Fernando Collor de Mello, que acabou levando a faixa presidencial para casa. Eram 22 no total.

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Acompanhei muitos comícios pelo interior do Paraná. Não me lembro de cobrir nenhum em Curitiba, onde eles geralmente ocorriam no calçadão da XV, com o palanque de costas para a Praça Osório.

Note o leitor que as palavras fazem parecer que estou falando de um passado distante. Comício? Palanque? Onde foi parar tudo isso? A internet já existia, mas ninguém sabia disso fora dos círculos acadêmicos dos países ricos. Naquele ano, na Suíça, um inglês estava inventando a web, esse "rosto" gráfico da internet que permite que qualquer um navegue, e não apenas quem conhece programação.

Os comícios eram impressionantes e refletiam a personalidade e o contexto em que o candidato se movia. Nos de Collor prevalecia o marketing: havia muitos shows e então ele surgia, com a esposa loirinha uns passos atrás, e ocupava um espaço projetado à frente do palco onde discursava por cinco minutos, gesticulando como um louco, de punhos cerrados. O caçador de marajás era uma fera: no interior do Paraná, mais de uma vez empurrou repórteres de rádio que tentavam entrevistá-lo. Nunca falava com os jornalistas.

Brizola fazia longos discursos e era ótimo orador. Ulysses era melancólico, porém digno. Covas transmitia seriedade. Aureliano parecia deslocado. Lula movimentava uma multidão entusiasmada, que cantava "lula-lá, brilha uma estrela". Mas não havia clima para elegê-lo. Diziam que os empresários iriam todos embora do Brasil caso ele fosse eleito, que os imóveis da classe média seriam divididos com os pobres, que um sujeito que não fez universidade não podia governar. Eram bobagens, mas em ambiente de campanha as bobagens colam. Collor era o contrário de Lula, representava o Brasil deslumbrado, que adora roupas de marcas caras e que tem filhos mimados. Ele foi o escolhido.

Collor foi uma banalidade na história do Brasil. Seu governo, um festival de corrupção. De novidade, naquele período, houve o fato de que o Brasil tinha se tornado uma democracia, que a imprensa era livre e estava se profissionalizando. As empresas de comunicação estavam sendo geridas como empresas que precisavam ser autossustentáveis, precisavam viver de sua credibilidade.

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As denúncias de corrupção eram investigadas uma a uma – mas com uma grande diferença em relação ao que se vê atualmente. Naqueles poucos anos do governo Collor, quem investigava era a imprensa. Não havia ONGs independentes fiscalizando as contas públicas como agora. O Ministério Publico, que ganhou poderes com a Constituição de 88, esperava regulamentação. O que a imprensa conseguia apurar vinha à luz. O que a imprensa não conseguia provar escapava. Acha que exagero? Confira nos jornais e revistas (a Veja teve um papel importante na época) e note como eram modestas as referências a investigações oficiais. O contraste com a situação atual, em que é possível investigar sem sair do computador, torna delicado avaliar se há mais ou menos corrupção atualmente.

Collor não tinha uma história pessoal sólida. Era ex-governador de um estado modesto e herdeiro de uma família de políticos endinheirados. Depois dele, o Brasil elegeu três presidentes cujas histórias pessoais têm consistência. Envolvidos que estamos com os atos de seus governos, temos dificuldade para registrar o que eles representam no nível simbólico. Um professor universitário de reputação internacional e carreira politica coerente (quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito, li na capa do jornal francês Le Monde que o Brasil tinha o governante mais bem preparado do mundo), um líder operário nascido na pobreza e uma mulher, filha de um imigrante e ex-militante da resistência armada à ditadura.

O Brasil tem agora 25 anos de democracia ininterrupta e isso se reflete no perfil dos candidatos que temos neste ano. Em termos de biografia, a vice Marina Silva é a única que acrescenta algo novo e simbolicamente rico: a origem amazônica, seu envolvimento com as causas ambientais. Curiosamente, os dois nomes em evidência na oposição à presidente Dilma vêm do mesmo molde que fez Collor: são bem nascidos herdeiros de políticos regionais. Não quero dizer com isso que repetiriam, se eleitos, os malfeitos do alagoano. Apenas refletem a realidade do jogo político brasileiro, que tende à repetição. Vivemos na mais completa normalidade, o que nos deixa sem justificativas para temer mudar, sem justificativas para não sonhar alto.

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