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Eu gostaria de conhecer Nelson Mandela. Não precisaria me tornar amiga íntima, daquelas que compartilham as dificuldades na educação dos filhos ou se queixam da correria do dia a dia. Não precisaria que ele me convidasse para sentar e me oferecesse um chá ("Graça, traz um chá de rooibos para a Marleth" – diria ele para a esposa). Não precisaria tanto. Só queria vê-lo, quem sabe cumprimentá-lo.

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Me lembrei de Mandela esta semana nem tanto por sua hospitalização. Que ele esteja debilitado não é nada de mais para um homem às vésperas de completar 95 anos e que passou quase um terço disso na prisão. Um terço de uma vida de 95 anos é muito tempo.

O que me fez lembrar Mandela foi um texto do escritor angolano Valter Hugo Mãe em que ele diz:

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"O Nelson Mandela está a perder a memória e não vai lembrar-se nunca mais de que é um homem sagrado. Morrerá anônimo para si mesmo, indiferente ao mundo e ao quanto ajudou cada um de nós. Vai desconhecer como foi perseverante, como conquistou a lucidez, não vai saber da sua inteligência superior ou da magnitude da sua beleza."

Como assim? O Mandela está "a perder" a memória? Alzheimer?

Vasculho a internet em busca da notícia que chocou Walter Hugo e não encontro. O que eu encontro é uma explicação para a notícia. Aparentemente, o boato começou em 2009 quando o jornalista Bill Keller, do New York Times, publicou uma reportagem sobre a performance de Morgan Freeman no filme Invictus. No meio do longo texto, aparece a seguinte frase:

"Mas desde que deixou a presidência em 1999, e especialmente desde que sua memória começou a falhar, ele se tornou mais recluso, protegido por um grupo que se preocupa que ele possa criar situações embaraçosas para si mesmo."

Encontro em um jornal português outra reportagem que cita o advogado George Bizos, que defendeu Mandela no julgamento em que a pena de morte foi trocada por 27 anos de prisão:

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"Infelizmente, às vezes esquece-se de que um ou dois dos seus companheiros morreram, e fica muito pálido quando lhe dizem que Walter Silulu (outro nome histórico na luta contra o apartheid) já não está conosco".

As fotos mais recentes de Mandela me fazem crer que ele esteja mesmo perdendo a memória. Aquele olhar distante e vazio, mistura de perplexidade e tristeza, me diz isso.

É um contraste com a imagem alegre que ele sempre exibiu. Quando me dei ao trabalho de ler um pouco mais sobre ele, a figura que emergiu dos livros foi a de uma pessoa com senso de justiça que se torna militante em tempo integral e, forçado pela reclusão de 27 anos na prisão, acaba por desenvolver uma visão própria do mundo e dos seres humanos. Uma visão que me parece quase religiosa. Nas cartas e diálogos reunidos em Conversas que Tive Comigo (Ed. Rocco) pode estar uma resposta para a charada Mandela. Ali está um homem que durante os 27 anos sem liberdade vasculhou os próprios defeitos e limitações e usou o autoconhecimento como instrumento para entender os outros homens. Que aboliu frustrações e mágoas para não sufocar e por isso parou de gerar raiva dentro de si. Este processo pessoal acabou por determinar os rumos políticos que ele deu à luta contra o aparthaid.

A informação de que Mandela teria perdido a memória e, como disse Walter Hugo Mãe, que "morrerá anônimo para si mesmo", me chocou. A minha primeira sensação foi de desperdício, de que o esquecimento no fim da vida tornava tudo insignificante. Mas no caso de Mandela, este pensamento não cabe. A vida dele deixou tantas marcas positivas, gigantescas, que não há a possibilidade de se falar em insignificância. O esvaziamento da mente, se isso estiver mesmo acontecendo, só comprova aquilo que ele encarou nos anos de prisão: que somos todos iguais, igualmente frágeis e humanos.

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