Sabe-se lá por que, outro dia lembrei que na minha infância, comíamos miolo de boi em casa. Miolo à milanesa. Ou será que estou imaginando coisas? Checo com os irmãos sem muita confiança: há tantas lembranças de infância que um de nós guarda e os outros apagam totalmente da memória. Mas eles confirmam. Sim, comíamos miolo de boi. Sim, era à milanesa. Era crocante por fora e macio por dentro. Uma verdadeira iguaria. Será que ainda se pode comprar isso? Sou informada de que dá para encontrar no Mercado Municipal.
Muitos devem torcer o nariz só de pensar em um prato desses. Os chamados "miúdos" provocam aversão em algumas pessoas: rins, miolo, bucho, fígado, língua, rabo, suã, coração, testículos. Ou se come essas carnes desde pequenininho ou é preciso ser aventureiro para experimentá-las na idade adulta. E, em termos de paladar, normalmente as pessoas não são muito aventureiras.
Provavelmente, em épocas pré-refrigeração, quando era muito mais difícil ter acesso à carne fresca, aceitava-se comer alimentos que hoje são rejeitados e estão caindo no esquecimento. Quando alguém matava um boi, porco ou cabrito, dava um jeito de aproveitar tudo. Está aí a feijoada para comprovar a minha tese e, do outro lado do oceano, as iguarias europeias que ainda sobrevivem como pratos de resistência em seus países de origem: as tortas de rins, na Inglaterra, e o foie gras, na França. Na Escócia, há um prato esquisitíssimo, o haggis. Basicamente, junta-se o que sobra do carneiro depois que toda carne é tirada. As vísceras picadas recheiam o estômago do ovino, que é costurado e depois vai para o cozimento. É um prato nacional servido em pubs, mas anda fora de moda.
Vou atrás de um livro de receitas e descubro uma foto de miolo à milanesa que se parece com o prato que minha mãe preparava: igualzinho a couve-flor. Ligo para um açougue escolhido aleatoriamente em uma velha lista telefônica e consigo uma explicação para o sumiço do miolo. O açougueiro acredita que a forma como se abate o boi atualmente, com uma pistola pneumática disparada contra a testa do animal, deve danificar o cérebro. "Desconfio que o cérebro desmanche...", diz ele, naquele tom de quem pensa em voz alta: "Mas, se você encomendar, arranjamos um bom. Quer?". Pergunto o preço. "Acho que está uns R$ 10 o quilo. Então, vai querer quanto?". Para decepção do meu interlocutor, que está crente que estou desesperada para comer miolo, recuso a oferta. Não sei preparar e ninguém mais em casa se animaria a comer. Além do mais, a ideia de uma pistola destruindo o cérebro do boi me assustou. Acho que nem mignon eu comeria depois da conversa com o açougueiro, quanto mais miolo.
Marleth Silva é jornalista
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