Está lá na crônica do Drummond. “Foste moço e ainda não és velho”. É frase de poeta e eu me identifico com ela. Perto dos 50 anos, é isso que sou. Ou que não sou. Fui moça e ainda não sou velha. Quaisquer outras palavras que use para designar o meu estágio atual seriam eufemismo.
Claro que outros, mais precisamente os que nasceram depois de mim, serão mais enfáticos: és velha e ponto final. A esses só posso recomendar (como uma velha faria) que façam bom proveito da confiança que sua pouca idade lhes dá. Mas saibam que basta piscar e estarão mais pra lá do que pra cá. Em outras palavras, será a vez de eles se descobrirem velhos. Ah, mas você nasceu em 93, 94 ou 95? Não importa, a turma do século 21 está por aí e vai te olhar com a mesma complacência que os anfíbios reservariam aos dinossauros: “Coitados... quase extintos!”
Por um desses mistérios da mente humana, ninguém acredita que vai envelhecer
Foi isso que aconteceu comigo. Bastou uma piscadela, um segundo de desatenção, o tempo de uma canção que ouvi distraída, e eu tinha mudado de lado. Com vantagens e desvantagens, hoje me encontro do lado de cá. Ou de lá – depende do ponto onde você que me lê se posiciona. É como disse o escritor americano Wilkie Collins em carta à mãe, em 1864, diante do susto de ter completado 40 anos e perceber mudanças no corpo: “Quem poderia imaginar que isso aconteceria?” Por um desses mistérios da mente humana, ninguém acredita que vai envelhecer. Pois aconteceu comigo e, ainda assim, estou bem disposta.
De modo que ri com a conversa entreouvida depois do treino entre as duas garotas que se preparavam para correr nas esteiras. O assunto eram as qualidades de uma faxineira, que a moça A recomendava para a moça B. A moça A dizia: “Ela é ótima, mas tem uma coisa que você precisa saber.” Pausa dramática. “Ela é de idade. Tem 50 anos.” E seguiu-se o relato sobre como a faxineira ainda se mostrava disposta para o trabalho apesar de tão avançada em anos. Uma delas percebeu que eu ria, mas a outra prosseguia na sua fala sem supor que poderia me tocar com aquela conversa. Considerei essa indiferença elogiosa. Ela parecia não supor por um segundo sequer que eu fosse contemporânea, ou quase, da faxineira pré-histórica.
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O texto do Drummond está no livro Fala, Amendoeira. A crônica que dá título à coletânea se refere exatamente a este período da vida. A árvore, alter-ego do poeta, obriga-o a encarar a realidade. “Acho-te bem outonal, meu filho...” Ele se entristece com o comentário e a amendoeira prossegue descrevendo a fase da vida em que estava Drummond (ele tinha 55 anos). “...há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-te com dignidade, meu velho.”
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