Há meses venho notando os sinais de que o brasileiro vai muito bem. Se os sinais são confiáveis, não sei. Eu os identifico nas canções tocadas nas rádios. Nelas, todo mundo é poderoso, ninguém leva porrada, todos são campeões em tudo: a mulher esnoba o homem; o homem esnoba a mulher. Ela exige prazer na cama. Ele diz que quer enlouquecer. Todo mundo só quer se divertir, dançar até cair, beber até... ficar bêbado. Ninguém tem dor de cotovelo, ninguém tem dúvidas existenciais, ninguém está confuso.
O que será que tem na água que esse povo toma?
Procurei no Spotify as mais tocadas de 2016 para conferir se a minha percepção está correta. Não tive paciência para ouvir tudo. Pulei direto para as letras. E lá está: só tem exaltação na música brasileira que domina a “parada de sucessos”.
Só tem exaltação na música brasileira que domina a “parada de sucessos”
Exaltação aos poderes de sedução (“Ela vai te enlouquecer pra ver do que é capaz”, Projota). Exaltação ao corpo (“Calça apertada, bunda empinada / Dez vezes melhor que a sua namorada / Para tudo: pego no copo / Com a unha decorada”, Ludmilla). Exaltação à própria felicidade (“O amor da sua vida sou eu / Tudo que é meu hoje é seu / E o fim nem precisa rimar”, Matheus e Kauan). Exaltação ao sexo (“Quando dança e me beija sinto que ela me deseja mais e mais / Mesmo louca desse jeito, é muito mais do que mereço”, Anitta).
É claro que nem todos os compositores estão seguindo nessa toada. Ela prevalece entre aqueles que compõem basicamente para fazer sucesso e vender, seja em que ritmo for. Vamos fazer uma distinção: todo músico quer fazer sucesso, mas alguns compõem e cantam movidos primeiramente pela necessidade de se expressar. Estes não vão se enquadrar necessariamente na cartilha do sucesso. Não são eles que estão tocando no rádio e na televisão.
Neste momento a cartilha do sucesso gira em torno do ego bem tratado, que não vê falhas em si mesmo, que não se questiona. Este ego vai muito bem, especialmente quando acompanhado por um corpo bem cuidado e por uma cabeça cheia de álcool.
Não nos iludamos, a tal parada de sucesso sempre foi repleta de bobagens. Quando eu era criança, havia um hit com o refrão “aonde a vaca vai o boi vai atrás”. Tocava dia e noite. O que me impressiona nos sucessos desses últimos anos é essa exaltação à autoestima como tema único. A mensagem é sempre “eu sou ótimo e posso tudo; só dou bola pra você se você for poderoso como eu”. Chacrinha cantava: está com tudo e não está prosa. Agora só a primeira parte vale porque tem de estar com tudo e estar muito, mas muito prosa.
É verdade que a sociedade hoje tolera as diferentes formas de amar, o que se traduz na extinção dos amores impossíveis. Mas os desencontros continuam acontecendo, os rompimentos dramáticos, as paixões não correspondidas. Admitir este tipo de sofrimento é que ficou démodé.
Minha hipótese é que há uma incompatibilidade entre a batida acelerada da música que faz sucesso atualmente e os temas intimistas, reflexivos. O som transmite a sensação de euforia e a letra tem de acompanhar. Da euforia vem a exaltação do eu poderoso.
Por isso as dores de amores e a sensação de desajustamento, que são responsáveis por grandes momentos da canção popular, desapareceram. “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?”
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