| Foto: Felipe Lima

Foi Amanda quem contou. Diálogos estranhos, gritos, gemidos desesperados, tudo saindo do apartamento vizinho e invadindo a vida dela pela janela do banheiro. Um dia Amanda pensou que era caso de polícia, noutro concluiu que era melhor chamar um psicólogo. Era como uma novela, um filme de terror proibido para menores e que nunca sai de cartaz.

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Esta semana, veio o silêncio. Amanda foi para o corredor em busca de notícias. A vizinha morreu. Sabia-se que estava doente. Que gritava, chorava e gemia. Que havia um homem com ela que ninguém entendeu quem era. Tampouco se amparava ou se maltratava a mulher. Se era anjo ou algoz. Depois de colocar os pertences mais íntimos da falecida em sacos de lixo, ele se foi. Uma vida deixada em sacos plásticos no corredor. Outro choque para os vizinhos, que foram tomados pela melancolia.

Só temos acesso a sons descontínuos e nossa imaginação tende a preencher as lacunas

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Os amigos a quem foi contada esta história ficaram tão perplexos quanto a própria Amanda com a experiência de acompanhar diariamente a agonia de alguém pela janela do banheiro, se perguntando se é o momento de interferir. Alguns moradores do prédio interferiram: chamaram a polícia, tocaram a campainha. Nunca houve resposta; a porta não era aberta.

Age-se em casos assim com pudor, com medo de receber uma resposta violenta. Ou de fazer papel ridículo (“Gritos? Era o filme que eu estava vendo”, ou ouvir outra explicação dessa natureza). Mas vizinhos são, por natureza, seres que especulam. Veja bem, são outras vidas se desenrolando ali, bem ao lado. Só temos acesso a sons descontínuos e nossa imaginação tende a preencher as lacunas. Sabe do que mais? Nossas piores deduções costumam estar corretas. Por isso é preferível interferir, sim.

O problema com vizinhos e seus barulhos é que ficaríamos melhor sem tomar conhecimento deles. Se nos fazem pensar em sofrimento, nos angustiam, como aconteceu com Amanda. Se festejam e os sons de sua alegria chegam até nós, incomodam nosso sono e nossa paz. Não é como saber da vida de alguém através de um livro, de uma conversa entreouvida na rua, da fofoca. Desses podemos nos afastar quando quisermos. Esses barulhos dos vizinhos penetram na nossa intimidade queiramos ou não.

Situação peculiar é a dos porteiros e zeladores de prédios, que veem e ouvem de tudo, mas, por serem empregados, estão em posição ainda mais delicada que a dos moradores. Interferir, no caso deles, exige coragem extra. Mesmo assim, alguns se envolvem para ajudar. A assistente social de um posto de saúde no Centro da cidade me contou diversos casos estranhíssimos de pessoas isoladas em apartamentos sujos ou abarrotados de papel velho, de donos de cães demais ou gatos demais, de famílias em que uma pessoa doente é responsável por outra mais doente ainda. Na maioria das vezes, o porta-voz do pedido de socorro que chegou aos serviços de assistência era o porteiro ou zelador. Um zelador, homem idoso e calado, depois de recebê-la para um atendimento no velho prédio, desabafou à assistente social: “Odeio esse trabalho, mas acho que eles precisam tanto de mim!”

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