Ele lia jornais e revistas e ouvia muito rádio. Tevê, à noite. Julgava-se bem informado. Gostava de discutir política, de falar da situação do Brasil. O Brasil dá pano para manga. Manga curta, manga encardida, às vezes uma manga limpa e bem passada. Ninguém explica o Brasil. Aliás, só os que acreditam em clichês. Para esses é mais fácil entender qualquer assunto complicado porque eles simplificam tudo: brasileiro é desonesto, o Brasil não tem jeito, a culpa é da colonização portuguesa. Pronto, está tudo explicado. Ou pelo menos o debate chega a uma conclusão.
Fato é que ele adotou um bordão: "Nunca antes no Brasil...". Não estava parodiando o Lula, estava sendo sincero. Ele estava convencido de que nunca tinha visto coisas tão graves. Mais que isso, ninguém tinha visto nada pior antes, em época alguma. Floriano Peixoto, Hermes da Fonseca, Getúlio Vargas, Figueiredo? Nada era páreo para os desmandos de hoje pela singela razão de que ele, o personagem desta crônica, não sabia direito o que tinha acontecido em tempos idos. Era relativamente jovem e bastante desmemoriado. Collor? Ah, aquele que dizia que o tempo é o senhor da razão? Nem lembrava mais do caçador de marajás, apesar de ter adorado o bordão.
Até um amante dos clichês e das generalizações como ele tem seus momentos de dúvida. Tudo começou com a constatação de que havia gente demais falando em "nunca antes no Brasil". Nos jornais ele leu: nunca antes a situação do funcionalismo público foi tão difícil (parecia verdade). Nunca antes a corrupção foi tão generalizada (será?), nunca antes a sociedade esteve tão polarizada. Havia os otimistas: nunca antes tantos brasileiros fizeram faculdade, nunca antes a classe média cresceu tanto.
Quando as manifestações de rua começaram, em 2013, ele ficou ainda mais confuso. Nunca antes tanta gente saiu às ruas em manifestações pacíficas. Aí vieram os black blocs. Nunca antes grupos tão pequenos fizeram tanto estrago. Nunca antes as autoridades ficaram tão perdidas diante da confusão instaurada no país. Nunca antes as novelas foram tão ruins. Nunca antes o futebol brasileiro foi tão fraco. Nunca o mundo esteve tão confuso.
Aquilo começou a lhe causar desconforto. Seria o fim dos tempos? O Brasil vai implodir junto com a Ucrânia, a Síria, a Venezuela, a Grécia e até os Estados Unidos do Obama?
A angústia tomou conta de sua alma bem-intencionada. Ou o armagedom está se aproximando ou estão todos sem perspectiva histórica? Quase bateu no vizinho que, no churrasco de domingo, lhe disse que "nunca antes foi tão difícil encontrar uma costela bem macia".
Sondou seu velho pai, homem tão dramático quanto ele, com tendência a arroubos de fúria, mas também uma pessoa sábia. A deixa foi quando o pai reclamou de que nunca antes havia pago tanto imposto.
"Você acha mesmo, pai?"
"Claro, filho, a carga tributária não para de crescer."
"E o resto, pai?"
"Que resto?" "Tudo. É verdade que está tudo pior? As novelas, as copas do mundo, a alimentação, os políticos, os jovens, os filmes americanos, a música francesa. Tudo."
O velhinho se enfureceu.
"Você quer que eu... (e aqui ele fez uma pausa dramática), nesta altura da vida... (outra pausa), compare o que vejo hoje com o que via quando tinha 20 anos e todas as promessas da vida pela frente? Para mim tudo é pior agora e ponto final. Nunca vi pergunta mais besta."
"É que com tanta coisa acontecendo tão rápido está difícil de entender o mundo, pai", choramingou o nosso personagem.
O pai perdeu a paciência de vez:
"Você acha que na minha época era mais fácil? Nunca vi tanta preguiça de pensar", resmungou. E deu o assunto por encerrado.
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