Há algo triste acontecendo na educação. Talvez tenha um lado bom, mas não consigo vê-lo neste momento. Talvez você consiga. A criança ou o adolescente se saem mal em Matemática ou outra disciplina qualquer. Depois de os pais correrem de um lado para outro em busca de ajuda, o garoto recebe o diagnóstico de algum déficit disso ou daquilo que vai exigir o uso de medicamentos. Porque a falha, qualquer falha, é inaceitável dentro de um cenário em que todos devem estar aparelhados para o mercado de trabalho. O sistema de educação está viciado por esse olhar mercadológico.
O mercado de trabalho é colocado, nesse contexto, como um deus a ser servido sem ser questionado. Um monarca absolutista, um déspota não esclarecido. É esse soberano imaterial que dita ordens, que diz como devem ser as pessoas. Veja essa definição tirada de um texto recente de revista especializada: "O mercado de trabalho nos dias de hoje é exigente: admite somente funcionários comprometidos com a empresa, que buscam a excelência, que são extraordinários".
Na verdade o mercado de trabalho não deveria ter tanto poder sobre nós, mas, com medo do insucesso, nos curvamos a ele e tentamos ser do jeito que ele quer.
Onde entram as crianças e os adolescentes nessa história? Entram pela porta da escola, que se tornou, segundo os olhos sedentos da classe média brasileira, o portal para uma vida profissional de sucesso. Bem-intencionados, os pais querem garantir que seus filhos não fiquem em desvantagem em relação aos demais, que estejam aparelhados para a competição. Isso vem criando algumas distorções. Em primeiro lugar, este sistema competitivo é também excludente. Os que não são "extraordinários" por terem algum tipo de inteligência mais específica ou contestadora tendem a ir sendo expelidos do sistema. Para que todos possam seguir a progressão dos anos, criou-se uma rede paralela de apoio, que envolve diversos profissionais e medicamentos. Muito medicamento.
A outra vítima é a própria escola, que passa a ser vista como uma prestadora de serviço da mesma categoria das operadoras de telefonia móvel ou de tevê a cabo. Espera-se dela eficiência e os professores passam a ser tratados como funcionários de call-center: têm de ouvir queixas dos pais ansiosos que não reconhecem no lado de lá nenhuma autoridade. Compram o treinamento dado aos filhos assim como pagam para ter 140 canais de tevê na sala de estar.
Deriva dessas duas distorções uma terceira: vista como um bem individual, que se compra no mercado, a educação deixa de ser um direito fundamental da juventude do país e um elemento fundamental para o progresso. Traduzindo em poucas palavras: cada um cuida de si (ou cada um cuida do seu filho). Os estudantes das escolas públicas ficam em desvantagem. O serviço público brasileiro tem demonstrado dificuldade para oferecer o melhor serviço e, ao mesmo tempo, a cobrança familiar sobre ele é menor. Nem todos os interessados se manifestam.
Porque aqui, caro leitor, os interessados na qualidade do ensino público deveriam ser todos nós, independentemente de termos filhos matriculados em uma escola municipal, estadual ou federal. Quem vai aproveitar os frutos da qualidade do ensino seremos todos nós. Quem continuará pagando o preço alto da nossa baixa escolaridade e proficiência técnica também seremos todos nós. Mas neste círculo vicioso da lei de mercado que impera, em que só os "extraordinários" merecem um lugar ao sol, milhões de crianças e jovens que abandonam as escolas ineficientes ou que as frequentam sem aprender são taxados de problemáticos ou incompetentes. O problema passa a ser deles. E é mesmo, mas também é nosso.
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