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Marleth Silva

O ópio do povo em versão 2014

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A revista inglesa More Intelligent Life, que faz parte do grupo que publica a The Economist, costuma colocar uma pergunta para um grupo de escritores responderem em pequenos ensaios. São questões singelas como "qual a melhor estação do ano?", "qual o melhor cheiro?", "a melhor idade?". A pergunta mais recente foi "qual é o ópio do povo?".

"A religião é o ópio do povo", escreveu Karl Marx em 1843, falando sobre a realidade que o cercava na Europa. Era um mundo em que ateus e agnósticos eram figuras raras, enquanto a maioria professava uma fé, uma religião. Marx estava dizendo que o ópio/religião era usado pelas pessoas para se desligar da realidade dura e incompreensível. Ao longo das décadas seguintes, prevaleceu uma interpretação mais política da frase.

Voltemos à big question, que não entendo nada de Marx. Qual é o ópio do povo hoje? A pergunta, na revista, ganhou uma conotação mais pessoal e menos política. Poderia ser traduzida assim: o que as pessoas usam para se desligar da vida diária e que acaba por afastá-las de uma existência mais produtiva? Nenhum dos convidados repetiu Marx. A comida, respondeu um. O universo das celebridades, respondeu outro. Bens de consumo com design, como roupas, celulares e móveis, respondeu um terceiro.

Original foi a resposta de um parlamentar e professor de Harvard, Rory Stewart. "Nossa civilização é a primeira [na História] a encontrar a mais completa realização nos seus descendentes. Nosso ópio são nossos filhos", escreveu. Ele explica: "Vivemos em uma cultura que não venera os ancestrais, mas venera os descendentes. As crianças devem estar notando que nada que um adulto faz é mais importante que os desejos que elas manifestam".

Faz sentido. A resposta de Rory Stewart foi a segunda mais votada na enquete que a revista fez com os leitores. Em primeiro lugar ficou a internet. Eu mesma "votei" na internet como ópio do povo, como a grande devoradora do nosso tempo e da nossa atenção. Não a coloco como o único e primeiríssimo narcótico que faz parte das nossas vidas – não seria tão categórica quanto foi Karl Marx. Também levaria ao pódio as drogas (incluindo álcool e psicotrópicos, como os antidepressivos) e o trabalho/dinheiro. Todos empatados em primeiro lugar. Estou me mostrando incapaz de escolher? Sim, estou. O mundo é variado, leitor. Em algumas partes dele a religião continua sendo o poderoso anestésico. Em outras, é o Facebook.

Além do ópio, dá para falar na maconha do povo. Mais fraquinha, mas igualmente eficiente em desviar a atenção do usuário. Meus votos para "maconha do povo" vão para o futebol, a comida e a bebida – estes especialmente entre os endinheirados, que se distraem falando de vinhos, bebidas e restaurantes –, e a autoimagem. Quanto tempo e dinheiro se gasta na compra de roupas, nas mudanças de cabelo, óculos e de medidas! Quanta energia consumida para construir uma imagem!

A música também é uma candidata ao título de maconha do povo. Ela é um bom exemplo de que as "distrações" não são intrinsecamente maléficas, podem fazer só o bem quando bem dosadas. A música é amplamente usada pelos muito jovens para se desligar do mundo externo, assim como os games, os celulares, o computador e seus conteúdos. São tantas distrações e tão sofisticadas que nem sei como resta tempo para eles comerem e tomarem banho.

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