Walmor Chagas se matou sem deixar uma mensagem. Faltou o bilhete do suicida, aquele que é tão frequente na obra de Dalton Trevisan, aquele no qual se espera encontrar todas as explicações. Li entrevistas da filha do ator e de alguns amigos e fiquei com a impressão de que não se surpreenderam muito com o ato. Não que Walmor tivesse tendências suicidas. Pelo contrário, parece que tinha tendência para a vida plena. Diante das limitações que a idade estava trazendo para seu corpo, ele não via mais perspectivas; não encontrava mais aquilo de que precisava para viver.
O suicídio causa uma perturbação que se espalha em círculos concêntricos atingindo até pessoas que apenas ouvem falar dele. Tirar a própria vida não é natural entre os animais e, quando um ser humano (o animal racional) toma para si esta prerrogativa, é como se estivesse indo além do que disseram que nossa espécie pode fazer. Está fazendo o papel que, para as religiões, é de Deus.
O fato é que o ser humano tem condições, sim, de planejar e executar a sua própria desaparição. Quando o faz é um susto para quem está em volta, é a perturbação que se espalha provocando dor e dúvida.
Nos cinemas, está em cartaz o filme Amor (do diretor Michael Haneke), que é um registro dos dias de um casal de idosos (Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) que convive com a decrepitude física e mental da esposa. Quem já viu a vida de uma família em que há um idoso precisando de cuidados sabe que o filme não mostra nada extraordinário. Até a incapacidade da filha para ajudar e as dificuldades com a cuidadora profissional são corriqueiras. No entanto, o filme tem causado forte impacto nas audiências mundo afora. O que me levou a me perguntar o quanto as pessoas sabem sobre os últimos anos de vida. Parece que, com exceção dos diretamente envolvidos, a maioria não sabe nada.
Amor é um ótimo filme por conta da forma como foi encenado e não porque tenha um grande enredo. A história, por assim dizer, é de uma banalidade total, no sentido de que ocorre o tempo todo em todo lugar. Por outro lado, é extraordinária por registrar o grande drama de nossos tempos: a velhice longa e difícil que um número cada vez maior de pessoas experimenta.
Você pode ter achado que fui contraditória, mas é isso mesmo que quis dizer: aquilo que é comum na vida das pessoas é ao mesmo tempo banal e extraordinário. Nascer, trabalhar, aprender, amar, desiludir-se, aposentar-se, envelhecer, morrer: estatisticamente isso é de uma banalidade absoluta. Individualmente é de uma força e de uma beleza avassaladora.
Walmor Chagas achou que estava dando muito trabalho para a filha e não quis ser cuidado. Deve ter havido outras razões que desconheço e que não vêm ao caso aqui. Mas sem dúvida ele não quis ser um personagem de Amor. Ninguém quer, mas alguns aceitam serem cuidados ou cuidar, conviver com limitações e encontrar ou inventar novas pequenas alegrias que justifiquem a sequência de dias. Não dá para condenar os que não querem ou não conseguem estas situações só são verdadeiramente compreendidas por quem passa por elas.
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